quinta-feira, 13 de agosto de 2009

VIA ES

Amigos,
Esta semana aceitei o gracioso convite do amigo Kaiê para colaborar como colunista no www.viaes.com.br.
Eu sempre achei que colunista devia ser o nome do médico que trata da coluna.
Mas o convite me encheu de alegria.
E agora estou me divertindo por lá, também, publicando teztos diferentes dos que têm aparecido por aqui.
Estão todos convidados para uma visitinha!
Um grande dia a todos e muita PAZ!!!

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

SÓ MUDOU O NOME?


- Alô?! - ele não estava com a menor vontade de atender quem quer fosse naquele momento, mas o telefone berrava insistentemente. Melhor atender logo. "Se for telemarketing..." -pensou.
Pior, era a irmã, aos berros e soluços. Pode parecer difícil, à primeira vista, alguém berrar e soluçar ao mesmo tempo. Mas ela conseguia.
- Jaime? - e berros e soluços

- Oi, mana. - um entusiasmo capaz de fazer congelar um fondue de queijo. Não conseguiu conter um sorrisinho cínico ao tentar adivinhar o que o Aristides aprontara dessa vez. O Aristides era terrível.

- A mamãe!... - mais berros e soluços

- O que tem a mamãe, Carmem? - pronto, não foi o Aristides. Foi-se o sorrisinho. A mamãe é terrível.

- A mamãe desencarnou, Jaime! - e debulhou-se em lágrimas, berros e soluços.

- A mamãe o quê?! Carmem, pelo amor de Deus, eu não estou entendendo patavina. Você bebeu?!

- Claro que não. A mamãe teve um AVC e desencarnou, Jaime.

- Que história é essa de "desencarnou"? Explica essa história direito.

Ela respira fundo, tenta articular as palavras.

- É que estou frequentando um lugar onde as pessoas não usam o termo "morte", que é muito carregado e dá uma falsa impressão. Eu aprendi que a morte não existe, é apenas uma passagem para um plano diferente, que somos espíritos imortais e que nos encontramos com nossos entes queridos tanto do lado de cá quanto do lado de lá.

- Nossa! Você aprendeu tudo isso?!

- Sim...

- Então por que você está chorando?!

domingo, 9 de agosto de 2009

SUMIDADE


Eles se encontraram no entroncamento da Jerônimo Monteiro com a Costa Pereira, ali onde ninguém sabe qual sinal abre pra quem e muito menos pra quem está fechado.


Ela acabara de atravessar. Ele tentando decidir qual seria o momento exato para fazê-lo.

- Fulano! – ela quase gritou, arreganhando os braços e os dentes, para um abraço e um sorriso.

- Fulana, tudo bem?! Quanto tempo! – não era apenas uma forma de cumprimento (que dessas existem aos milhões por aí); eles realmente não se viam há muito tempo, e só naquele momento ele se apercebera disso. Sinal evidente de que aquela pessoa não estava fazendo a menor falta em sua vida. Mas gentileza sempre, era seu lema.

- É verdade. Por onde você anda? (não era uma pergunta; ou pelo menos não tinha essa intenção, visto que ela não esperou uma resposta, emendando logo uma série de outras frases) O pessoal tem perguntado por você. Eu disse que você havia se tornado uma sumidade…

- Sumidade?! Eu?! Por quê?!

- Uai! Ninguém te vê em lugar nenhum…

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

SANTO DE CASA

Como de praxe, naquela quinta-feira ela recebia as amigas para o chá da tarde. Mania de gente refinada. Não eram muitas e quiçá nem todas fossem amigas, mesmo, mas isso já é uma outra história.
Sentavam-se na sala recém confortável e punham-se a conversar sobre assuntos vários. O que também não vem ao caso. Seria indelicadeza nossa querer saber sobre o que conversam aquelas amigas num chá da tarde. São pessoas refinadas.
Por acaso estava uma folha de papel manuscrita pousada displicentemente sobre o aparador na lateral da sala. Do jeitinho mesmo que ficam os papéis esquecidos, a que não damos muita importância.
Por acaso (quantas coisas boas acontecem por acaso; quanto às más, não sei, não) Verônica passava os olhos pelos porta retratos ali dispostos e bateu os olhos na folha. Tomou-a, leu-a, ajeitou os óculos, releu-a, suspirou e exclamou (essa gente é refinada, mas vive exclamando):
- Amiga, pelo amor de Deus! Quem foi que escreveu isso?!
Ela interrompeu uma frase pelo meio (estava sempre falando), torceu o nariz, olhou para a folha nas mãos de Verônica e respondeu com um breve ar de desaprovação:
- Foi o César. Ele vive me escrevendo essas bobagens. Por quê?! Muitos erros de Português?
- Muito pelo contrário, meu amor! Isto é magnífico. Você tem em casa um raríssimo exemplar de poeta da melhor qualidade. Um verdadeiro parnasiano. E apaixonadíssimo. Que sorte a sua.
É claro que ela nem fazia idéia do que fosse um parnasiano. Em outro contexto poderia achar que era alguma dessas doenças psiquiátricas que vivem descobrindo por aí. Como também é claro que ela não tinha idéia da qualidade dos textos que o César lhe escrevia com grande freqüência. Fingia ler, quando ele lhos entregava com um largo sorriso no rosto, depois enfiava tudo numa pasta.
- Oh, sim, querida. Guardo tudo que ele me escreve a sete chaves numa pasta. Estou até pensando em mandar encadernar. Capa dura e tudo mais.
E durante uns cinco minutos o assunto da roda deixou de ser a vida alheia e passou a ser os poemas do César. Ela entregou a pasta com os manuscritos que guardara a Verônica. Todas passaram os olhos em alguns poemas escolhidos aleatoriamente. Fingiram grande interesse, repetiram com um certo frisson algumas palavras mais rebuscadas e logo voltaram aos assuntos que lhes eram mais caros. Somente a Verônica continuou a ler os textos. Estava terminando uma pós em História da Literatura Lusófona e deliciava-se com o que tinha à sua frente. Era um achado.
Na despedida ainda lhe disse:
- Cuide bem do seu poeta, querida. Ele tem futuro.
- Ah, claro, querida! Cuidarei sim. Eu sempre lhe disse que ele só precisa de um empurrãozinho. E nisso nós somos boas, não é, meninas?
Gargalhada geral. A última daquele agradável chá. Despediram-se e ainda se ouviam alguns comentários esparsos sobre os poemas do César no hall do elevador.
Ela fechou a porta e, antes de recolher a porcelana do chá, acendeu um cigarro e passou os olhos em algumas folhas de papel que estavam sobre a mesinha de centro. E foi guardando-as novamente na pasta, agora de maneira um pouco mais cuidadosa. “Será?” – pensou. Encolheu os ombros. A Verônica sempre fora metida a intelectual. Talvez soubesse o que estava dizendo.
Dias depois, ao chegar da academia, encontrou sobre a mesa de jantar uma folha do bloquinho de notas que ficava ao lado do telefone. Tomou-a com sofreguidão:
“Querida,
Hoje tenho uma reunião importante na filial de Caldeiras.
Devo chegar um pouco mais tarde, mas a tempo para o jantar.
Qualquer problema, me ligue.
Beijos!
César”
Ela leu, releu e novamente. Seus olhos brilharam. Guardou-a cuidadosamente na gaveta do centro do aparador.
Mal podia esperar para mostras às meninas.

terça-feira, 4 de agosto de 2009

QUATRO E MEIA

Quatro e meia da manhã…
Sábia a criança que pergunta, com o ar da maior inocência do mundo por que chamar-se manhã essa hora tão obscura, em que somente os galos parecem perceber que se avizinha o dia.
Uma alma atormentada tenta esconder-se por entre os desvãos da casa. Passar despercebida, a despeito de seus gritos surdos e incessantes.
Não há fuga. O mais heróico e covarde a se fazer é erguer-se e enfrentar.
Talvez ela ali permaneça para sempre…

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

TRÊS LETRINHAS



Estava atrasado, como sempre. Sempre com aquela sensação de que os dias estavam ficando curtos demais para todos os seus compromissos. De nada adiantava culpar a secretária, mas ele o fazia assim mesmo. É grande a sensação de conforto que nos causa o simples fato de ter em quem colocar a culpa. Anotou mentalmente esse pensamento. Talvez fosse interessante discutir com o terapeuta. Talvez não.

Por mais que o edifício de consultórios estivesse vazio naquele horário, o elevador demorava a chegar. Chegou, nono andar. Desceu, procurou a placa de seu psiquiatra (estava completando dois anos de terapia e nunca conseguia ter certeza se devia descer do elevador para a direita ou para a esquerda), dobrou à esquerda e partiu com passos curtos e rápidos.

A meio caminho do 918, um homem impecavelmente vestido abria a porta de um dos consultórios. Embaralhava-se com o imenso molho de chaves, a pasta executiva e o casaco. Ele achou aquilo engraçado, embora não estivesse com tempo de achar nada engraçado.

Embora atabalhoadíssimo com tudo que tinha nas mãos, o estranho dirigiu-lhe a palavra amigavelmente:

- Boa noite! Consultório novo, acabo de me mudar e ainda não me habituei a esse monte de chaves. – e um sorriso franco e aberto, como se se conhecessem há muito tempo.

Respondeu apressado, tentando devolver um sorriso que saiu bastante amarelado, olhou de soslaio para a plaquinha na entrada do consultório novo: Roger Ignacyo Ventura, p.h.D, Numerólogo. Achou estranho, mas estava atrasadíssimo para sua consulta.

Passou a sessão inteira com uma estranha e divertida curiosidade sobre o encontro que tivera no corredor. Jamais confessaria a ninguém, muito menos para o seu terapeuta (o que pensariam dele?!), mas nutria um certo interesse pelos assuntos ditos esotéricos. E ali estava, a apenas 15 passos de distância, um numerólogo. Tinha que ser mais que mera coincidência.

Ao sair de sua consulta, notou que o 912 ainda estava com a porta aberta, apesar de já passar das nove. Atrasou o passo para espiar discretamente como seria um consultório de numerologia num dos endereços mais caros da cidade e quiçá do país. Parou por um instante, o suficiente para o numerólogo, que parecia ocupadíssimo arrumando muitos livros em uma estante de madeira escura virar-se e fazer o convite:

- Olá! Por que não entra e me acompanha num chá? Acabei de preparar.
Hesitou por um instante. Era tarde. Mas não tinha mais nenhum compromisso para aquela quarta-feira. Apenas retornar para o recesso de seu lar. O que, do jeito que as coisas andavam, sempre podia esperar mais um pouco. “Com licença!” e entrou, tentando apreender do ambiente o máximo que podia sem demonstrar demasiada curiosidade.
Arriscou:

- Vejo que ainda está com as mãos ocupadas. Doutor Roger, não é?

- Rogê, francês. E, por favor, deixe de lado o doutor.

- Muito prazer. Demétrio. Não queria incomodar, sei como dá trabalho mudar…

- Não é incômodo nenhum, meu amigo. Mudar dá, sim, muito trabalho. Mas é sempre um dos trabalhos mais gratificantes que um homem pode encontrar em toda a sua existência. Eu, por exemplo…

E discorreu, em breves minutos, sobre toda a sua trajetória, começando pela educação nos mais conceituados colégios do país, pela carreira promissora de financista, chegando a ocupar a cadeira de comando em um dos maiores bancos do país, de seus insucessos conjugais, do fracasso familiar, de como a carreira entrou em franco declínio, até atingir o fundo do poço, da viagem à Índia, dos encontros com os mais iluminados gurus e de como o conhecimento místico modificara sua vida, permitindo-lhe alavancar uma nova carreira. E ali estava ele, agora, aceitando um novo desafio e lançando-se na carreira de numerólogo.
Demétrio estava assombrado. Desde o primeiro instante tivera a impressão de já haver visto aquele rosto em algum lugar, e agora tudo se aclarava: quem estava à sua frente era ninguém mais ninguém menos do que Rogério Venturi, o mais jovem e promissor financista do país há apenas alguns anos, que desparecera misteriosamente sem deixar rastro, após uma série de denúncias nunca confirmadas de escândalos de todo tipo.

Ali estava ele, agora, à sua frente, exibindo um sorriso de vencedor e oferecendo-se para uma consulta rápida e gratuita com seu nome.

- Por que não?! – pelo menos teria uma história interessante para contar aos colegas do banco no dia seguinte.

Ficou olhando enquanto Rogério, ou melhor, Roger, rabiscava umas letras e números numa folha de papel, fazia contas, até que seu rosto se iluminou:

- Meu caro Demétrio, aqui estão as três letrinhas que mudarão sua vida para sempre. A partir deste momento, você se chama Demetryus.

Ele pegou o papel, fingiu interesse ao examinar os resultados, dobrou, colocou no bolso do paletó, agradeceu e partiu. Estava ficando tarde pra voltar pra casa. Até mesmo para ele.

Dirigiu para casa tentando pensar em outra coisa, mas aquele insólito encontro martelava em sua cabeça. Seu lado meio esotérico, que jazia quase esquecido atrás de uma couraça de respeitabilidade e ceticismo, teimava em lhe convencer de que havia algum motivo oculto para que seus caminhos se cruzassem naquela noite.

Nos dias que seguiram tentou não dar importância ao assunto. Não, ele era Demétrio Dias Monteiro, respeitado analista financeiro, com doutorado em Economia em Harvard e um nome a zelar. Mas o assunto não se permitia jogar para escanteio assim tão facilmente, e lhe martelava as idéias tão logo surgia a mais ínfima brecha. Demetryus, Demetryus… por que não?!

Um dia resolveu ceder à tentação e assinar Demetryus em um e-mail que encaminhava a um colega de escritório. Tinha certeza de que ele nem notaria. E tiraria aquela cisma da cabeça de uma vez por todas.

Sentiu-se estranhamente bem ao fazê-lo. E como não causasse nenhum impacto nos destinatários, continuou a fazê-lo, aumentando a cada dia a freqüência. E sentindo-se cada vez melhor. Chegou a pensar em estampar o “novo nome” em seu cartão de visitas, mas deixou para fazê-lo quando acabassem os que ainda tinha na gaveta. Com isso ia se habituando à idéia.

Um dia desapareceu misteriosamente.

Depois de uma semana, sua mulher ligou pra empresa, procurando saber seu paradeiro. Estava começando a demorar demais pra voltar pra casa. Até mesmo pra ele. Mas foi informada de que Demétrio não comparecia ao seu escritório há muitos dias. Não, não estava em nenhuma viagem de negócios pela empresa e que por favor, se tivesse contato com ele solicitasse que procurasse a gerência geral com urgência, porque sua presença era fundamental no fechamento de alguns contratos que ficaram pela metade.

A esposa tentou relaxar, atribuir aquele sumiço à crise de meia idade. Seqüestro não era, afinal de contas ninguém a procurara ou à empresa para o pedido de resgate. Aquele canalha estava aprontando mais uma e desta vez passara dos limites. Era isso. Mas ele lhe pagaria. Caro.

Passaram-se meses sem notícias. Ela já nem se lembrava mais de que um dia tivera um marido. Não era difícil esquecer aquele bastardo. Apenas contava os minutos para que pudesse declará-lo ausente, presumivelmente morto ou o que quer que fosse, pra meter a mão no dinheiro do seguro e tocar a vida.

Um belo dia, enquanto tentava fugir do tráfego passando por uma rua de menor movimento onde nunca estivera, deparou-se com um homem entrando em um prédio antigo e decadente e teve um insight: reconheceria aquele andar mesmo a quilômetros distância. Era ele!

Conseguiu com dificuldade uma vaga para estacionar e entrou correndo no prédio, uma galeria estreita e mal iluminada, com muitas lojas vazias. Ao fundo, um letreiro em neon rosa berrava: Demetryus Coiffeur. Não podia ser. Mas era coincidência demais.

Entrou pela porta de vidro ornamentada com todo tipo de penduricalhos e estacou diante da imagem que se lhe apresentava: seu marido com os cabelos bem mais longos, usando óculos com armação vermelha, enfiado em uma camisa florida de javanesa, bermuda na altura dos tornozelos e um chinelão de couro nos pés, manuseando habilmente um secador de cabelos e uma escova, enquanto conversava alegremente com uma senhora que se submetia aos seus cuidados. Pareciam conhecer-se há anos.

Ela recapitulou mentalmente todos os impropérios que pensara lhe atirar quando o encontrasse. De repente surpreendeu-se com a riqueza que seu vocabulário chulo adquirira. Respirou fundo, contou até 10 algumas vezes e chamou em voz baixa:

- Demétrio?! É você?!

Ele parecia não ouvir. Ela arriscou mais alto:

- Demétrio?! Demétrio?! Que brincadeira é essa?! Sou eu, sua esposa, Amanda.

Ela foi aumentando o tom de voz, chegando a berrar. Em vão. Ele permanecia alheio a tudo o que estava acontecendo.

Não era mais ele.