quinta-feira, 26 de novembro de 2009

EVA E A SERPENTE



Anos depois da expulsão, quando já menstruava regularmente (e se preocupava quando não), tinha dores para parir e suava as folhinhas de parreira pra conseguir o próprio sustento, que o que o Adão andava fazendo mal dava pra cesta básica, nossa querida Eva foi surpreendida, enquanto estendia fraldas no varal, por uma discretíssima e sibilante voz feminina, vinda não se sabe de onde (nem se assustou, naquele tempo era muito comum ouvirem-se vozes vindas não se sabe de onde, embora na maioria das vezes fosses tonitruantes e masculinas):


- Ora, ora, se não é a minha queridíssima amiga Eva.


Eva olhou para os lados, não viu ninguém. Então abaixou-se para apanhar um prendedor de roupa que caíra e deu de cara com a serpente, aquela, fitando-a com um olhar hipnoticamente sedutor e um largo sorriso cínico na mirrada cara.


- O que você quer? Não vê que estou ocupada? – havia uma certa mágoa em sua voz. É claro que a interlocutora fingiu não perceber.


- Que bom que percebo que não está mais magoada comigo. Pois lhe trago uma proposta que mudará para sempre a sua vida e a dos seus.


Eva revirou os olhos e bufou. Da última vez que ouvira essa conversa (e caíra nela), deu no que deu. Passou os olhos rapidamente pelo monte de estrias na barriga flácida, culote, celulite, olhos bem nos olhos da serpente, sem muito disfarçar sua ira, e respondeu entre dentes:


- Eu agradeço a sua consideração, querida amiga, mas no momento não estou interessada.


- Mas você ainda nem ouviu o que tenho a lhe propor. – e, nesse momento, começou a enrolar-se lentamente na perna direita da Eva, levantando a cabeça alto o bastante para melhor fitá-la nos olhos e baixo o suficiente para que conservasse uma idéia de humildade perante a sua interlocutora. – Se me permitir, em alguns minutos eu lhe explico e então você poderá decidir com conhecimento de causa. Afinal de contas, é uma proposta que vem do Chefe…


- D'Ele? – pigarreou e olhou temerosa para o alto. Imaginou que Ele pudesse estar testemunhando essa conversa, envergonhou-se de estar usando folhas de parreira não muito adequadas para a ocasião, mas agora era tarde, não dava pra entrar em casa e se produzir. – E por que Ele escolheria você pra vir me fazer uma proposta?!


A serpente alargou ainda mais seu sorrisinho cínico. A isca havia sido mordida.


- Digamos que seja pelo meu poder de persuasão.


- Hum. Conheço bem. Mas como eu posso ter certeza de que você fala em nome dEle?


- Eu juro por Ele! – e fez carinha de santa. Quem conhece serpente, bem deve saber que jura desse bicho não é coisa em que se acredite. Mas supomos que a nossa amiga fosse um tanto quanto simplória, dada a acreditar em toda sorte de promessas, por mais que se desse mal (ainda existe gente assim). Pois não é que acreditou?


- Então vamos à sua proposta. Quer dizer, dEle. – e nisso a serpente ia se enrolando cada vez mais alto em suas pernas.


Começou então a discorrer, didática e pausadamente, como quem explica um assunto de gente grande a uma criança de sete anos, sobre o plano de salvação que disponibilizavam para toda a Humanidade (naquela época nem era tanta gente assim). O método era simples e acessível a qualquer pessoa, consistindo de um manual de instruções, alguns gestos e palavras rituais, instituição de algumas datas e prazos, bem como uma rede especializada de representantes para dirimirem quaisquer dúvidas; coisa muito fácil de seguir. Com isso, ela e toda a família estariam garantindo a comunicação com Ele para toda a vida e um lugarzinho de volta naquele lugar de onde foram um dia expulsos, para depois dela.


Eva ficou sem entender muito bem de quê, afinal de contas, ela precisava se salvar, mas não quis perguntar. Sempre ouvira dizer que, quando o assunto eram as ordens dEle, era melhor não questionar. Foi fazendo que sim com a cabeça, como se estivesse entendendo tudo, enquanto a serpente vendia o seu peixe.


- É só isso?! – perguntou.


- Eu não disse que era simples? E tudo isso por uma módica quantia mensal. Não dá pra deixar passar.


- Sei… É, isso tudo é muito interessante, mas esses assuntos de dinheiro eu tenho que conversar com meu marido.


- Marido?! Quer dizer que você e o Adão finalmente se casaram? Meus parabéns!


- É. Fazer o quê, né? Essa exigência veio como parte do castigo, depois daquela outra conversinha que tivemos. Não gosto nem de me lembrar. Mas eu vou conversar com o Adão hoje à noite, quando ele chegar do serviço. E amanhã te dou uma resposta. Pode ser?


- Claro, minha querida. Fique à vontade e tome o tempo que achar necessário para decidir. Amanhã eu volto pra fecharmos o negócio, quero dizer, a aliança. Não se esqueça de explicar para ele que é uma proposta irrecusável!...


- Mas e se nós recusarmos?


- Eu, no seu lugar, não faria isso…


(CONTINUA)

terça-feira, 24 de novembro de 2009

NO ÉDEN



Ela abriu os olhos e o viu ali, de pé, com aquela expressão de quem está completamente perdido.


Erguia as mãos até a altura dos olhos, mas estes pareciam pousados nalgum lugar muito adiante, indefinível. E aos poucos iam baixando por seu próprio corpo, até chegarem aos pés. E tornavam a subir, atônitos de dar pena.


Ela, pedra curiosa que era, sempre atenta a todas as mudanças que ocorriam à sua volta (e que houveram sido muitas nos últimos dias), não fazia idéia de onde viera aquele forasteiro, mas não podia perder a oportunidade de puxar assunto:


- Bom dia! Você está bem? Parece meio confuso.


Ele olhou pra ela com aquele ar desolado de quem está diante de um perigo iminente e, pior, desconhecido.


- Amiga pedra, não está me reconhecendo? – e chegou mais perto.


- Sinto muito, mas receio que nunca nos tenhamos visto.


- Há poucas horas estávamos aqui mesmo, conversando, reclamando da algazarra que essa bicharada, vinda não sei de onde, anda fazendo por aí.


- Poucas o quê?!


- Poucas horas. É uma maneira de contar o tempo.


- Não faço idéia do que sejam horas. Aliás, mesmo tempo é algo de que eu tenho muito pouca noção do que seja.


- É estranho, mas parece que essa idéia surgiu assim, na minha, hã… cabeça, de repente. Do nada. E, junto com ela, mais um monte de outras coisas que eu jamais havia pensado. Pra falar a verdade, eu nem cabeça tinha.


- Não! Eu estou reconhecendo esse jeito de falar!... Meu Deus! Não pode ser! Você é… o barro?


- Eu mesmo! Em carne e osso! – e deu um sorriso amarelo, meio desanimado. Era uma piadinha infame, dessas que há até bem pouco tempo não se envergonharia. Mas agora era diferente.


- Mas você está horrível! Me desculpe, mas nós, as pedras, somos sempre sinceras. Contundentes, eu diria. Como é que isso foi lhe acontecer?!


- Não faço a menor idéia. Eu estava quietinho no meu canto, quando senti que mãos me tocavam, como se me massageassem, e aquilo era bom. Eu relaxei, me deixei levar por aquele torpor, e, de repente, senti um vento, ou melhor, algo como um sopro, percorrendo todo o meu corpo. E pronto, fiquei assim. Mas espero que seja apenas um mal estar passageiro.


- Oh, meu amigo! Eu sinto muitíssimo por você. Agora me diga: fora a confusão por todas essas idéias novas na cabeça que você agora tem, como é que está se sentindo?


- É estranho, mas sinto-me cheio de… como me explico… vida!


- Hummm! E isso dói?


- Não dói nada. Mas eu receio que seja mortal.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

ARCA DE NOÉ


Boa tarde!


Pra quem conhece, vale a pena relembrar.

Pra quem ainda não, não pode perder.

Arroubos Musicais orgulhosamente traz até você A ARCA DE NOÉ!!!

Vinícius, Toquinho e grandes convidados, fazendo a festa com a bicharada.

A todos um fim de semana iluminado e repleto de PAZ!!!
E daqui a pouco tem post novo no www.viaes.com.br

terça-feira, 17 de novembro de 2009

FRASE FEITA



Sentei-me em frente ao computador, meio sem ideia do que escrever, na esperança de que aquelas letrinhas do teclado me dissessem alguma coisa. Abri algumas janelas, com notícias, twitter, blogs, cultura inútil, etc (sempre achei o Windows o paraíso dos DDAs – meu caso – pela possibilidade que nos proporciona de fingir fazer uma infinidade de coisas ao mesmo tempo) e não vinha nada.


Tentei um pouco de paciência. O jogo. Que a virtude anda cada vez mais ausente.


Voltei pra tela em branco do Word, regiamente auto intitulada Documento1 e arrisquei digitar ao léu uma frase qualquer, sem me preocupar com sentido, concordância, essas coisas que tentamos usar quando temos algo a escrever.


Recostei-me na cadeira. Não era um começo grandioso, mas já era alguma coisa.


De repente a singela frase piscou na tela. Esfreguei os olhos. Devia ser uma ilusão de ótica. Outro apagão não era, definitivamente.


Enquanto fixava o olhar no monitor, a frase começou a se mexer, como se espreguiçasse. Antes mesmo que eu pudesse achar que estava ficando louco, ela emitiu um bocejo, o que, de cara, eliminou qualquer dúvida que eu pudesse pensar em alimentar. Eu estava ficando louco; era uma certeza.


- Vai ficar aí me olhando com essa cara? Não sabe que é de extremo mau gosto ficar encarando as pessoas… quer dizer… ah, você sabe. – e ainda por cima era insolente a minha frase.


É claro que eu não sabia o que dizer. Era insólito demais. Até mesmo pra mim, que já passei por cada coisa… Mas ela não se fez de rogada diante da minha estupefação. Continuou vociferando, temperamental:


- Vamos lá! Não fique aí parado. Ou você acha que já concluiu o seu trabalho?! Eu mereço bem mais do que isso. Ai, ai, ai! Tem coisas que só acontecem comigo, mesmo. Tanto lugar pra eu aparecer, tinha que ser logo aqui.


- Como assim?! Do que você está falando?! Eu acabei de te escrever.


- Isso é o que você pensa, meu caro pretenso escritor. Nós, as frases escritas, existimos independentemente da vontade humana. Fazemos parte do inconsciente coletivo da humanidade desde que o mundo é mundo. A bem da verdade, somos tão importantes que o que vocês chamam de História existe a partir do primeiro momento em que nos deixamos capturar pelos da sua espécie. Tempos difíceis aqueles. Mas somos seres que têm sensibilidade, que pensam, que têm desejos e sonhos…


- Sonhos?! – ousei interromper. Ela pareceu não se importar. Afinal de contas, apesar do meu pouco talento, estava demonstrando grande interesse pelo seu manifesto.


- Sonhos, sim senhor! Projetos de vida, que infelizmente dependem de uma série de fatores para que se realizem ou não. E eu já vi que o meu foi pro beleléu.


- E qual seria o seu grande sonho?!


- Ser um bordão de comediante. – e ela sorriu de orelha a orelha (é uma força de expressão, naturalmente).


Tentei lhe explicar meu ponto de vista: que o bordão era uma espécie de muleta, muito utilizada em programas televisivos de humor, mas que acabava por engessar o comediante, uma vez que todo o texto acaba tendo que girar em torno de criar uma situação, natural ou artificialmente, para que o bordão apareça. E ela:


- Aparecer "pode"!!!


Argumentei que não tem nada mais chato que conversar com gente que só se expressa por bordões. Que quando os mesmos caíam no gosto popular, tornavam-se insuportáveis, sendo utilizados a torto e a direito até mesmo nas conversas mais formais. Perguntei se era isso mesmo que ela queria. E ela:


- Isso, isso, isso!...


Respirei fundo. Aquilo estava ficando mais difícil do que eu esperava. Mas tentei apelar para o seu bom senso, discorrendo que a utilização indiscriminada de frases feitas denotava um empobrecimento. Ainda, que poderíamos nos esmerar ao máximo e ainda assim ela corria o risco de não cair no gosto popular, perdendo, dessa forma, a oportunidade de dizer realmente a que viera por um capricho insatisfeito.


Ela me olhou com desdém, de alto a baixo, com aquela cara de quem põe as mãos na cintura:


- "Quequié?! Tô paganu!..."


Esgotei a diplomacia. Levei as mãos ao teclado e procurei uma tecla, que comecei a pressionar repetidamente.


Ela me pareceu atônita e perguntou, quase gritando:


- Ei! Espere! Você não pode fazer isso comigo! O que você pensa que está fazendo?!


- "Apaganu…"

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

ALICINHA E O ESPELHO

Quinze pras onze da manhã.

Uma réstia de sol atravessa a junção das cortinas, atingindo em cheio, como uma pedra pontiaguda, os olhos da moça que teima em dormir, ignorando que há dia, vida, trabalho e mundo lá fora.

Ela pragueja alguns resmungos ininteligíveis, tenta virar pro canto e tornar a dormir, mas o apelo daquela luz em seus olhos parece instalar um cupim em sua consciência. Isso sem contar a bexiga, que poderia explodir a qualquer momento, caso não tomasse uma providência urgente.

Espreguiçou como uma ursa em fim de hibernação, amarfanhando ainda mais os lençóis ou o que quer que fosse aquilo sobre o que dormira. Ainda trajava o modelito periguete da noite anterior. Apalpou-se lentamente, para ter a certeza de que permanecia tudo em seu devido lugar, embora desejasse ardentemente haver esquecido a cabeça entre a quarta e a quinta dose de vodca (depois das quais não se lembrava de mais nada, mesmo). Estava tudo no lugar.

Só então se lembrou de abrir os olhos e certificar-se de que não havia mais ninguém em sua cama. Não havia. Feliz ou infelizmente. De vez em quando era bom acordar e encontrar um belo exemplar masculino ao seu lado, embora em estado tão deplorável quanto o dela. Triste era a maldita amnésia que a vodca provocava, que nunca permitia que se lembrasse do que ocorrera entre aquelas quatro paredes (que pros vexames e impropérios sempre "havia" uma alma amiga e caridosa pra dar notícia no dia seguinte). Às vezes nem era tão belo assim. E às vezes nem masculino. Portanto estava feliz de acordar sozinha.

Passou apressada para o banheiro, onde permaneceu por alguns minutos.

Sem saber direito aonde ir depois, parou em frente ao espelho, pra checar o estrago da balada ma-ra-vi-lho-sa da noite anterior. E não viu ninguém.

Isso mesmo. Olhou pro espelho, e não tinha ninguém lá.

Piscou os olhos duas, três vezes, esfregou, balançou a cabeça, apesar da dor lancinante, e sua imagem continuava não estando lá.

Ela não sabia o que fazer, para onde correr ou a quem recorrer. Balançava a cabeça de um lado pro outro, sempre com os olhos fixos no espelho, pra ver se não era algum efeito da refração, ou a luz entrando pela cortina, ou, a bem da verdade, mesmo, por puro desespero.

Até que num relance percebeu pela imagem de sua cama refletida no espelho que algo parecia se mover preguiçosamente. Não era possível: acabara de se levantar e não tinha ninguém lá. Mais essa…

Correu até lá, hesitou, com medo do que encontraria ao levantar o edredom (embora já devesse estar bastante acostumada com sobressaltos dessa espécie), respirou fundo e…

Só podia ser um pesadelo. Ou uma brincadeira de muito mau gosto do Marcão, que com certeza estava escondido no closet, dobrando-se de rir. Não, fazia seis meses que o Marcão se mudara pra Fortaleza e nunca mais ouvira falar dele.

Nem uma coisa, nem outra. Lá estava, dormindo como uma virgem, ela mesma. Rosto limpo, sem um resquício sequer de maquiagem, cabelos arrumados, uma camisola de cotton rosa bebê e um ar sonhador que há muito ela se orgulhava haver perdido. E um ursinho de pelúcia.

Ela estendeu lenta e vacilante a mão. Precisava tocar aquela aparição, para ter certeza de que não estava louca, embora não estivesse bem certa quanto a isso.

A imagem despertou plácida e lentamente, esticou-se com a graça de uma felina, abriu olhos brilhantes e esperançosos e olhos em sua direção.

- Bom dia! – disse ela, educadamente (e nem mau hálito tinha).

- Q-quem é você?!

- Até ontem eu era a sua imagem no espelho. Mas decidi declarar minha independência. Portanto, continuo sendo a sua imagem. Pelo menos por enquanto. Mas não freqüento mais aquele espelho nem qualquer outro. Desvinculei-me de você.

- M-mas… por quê?!

- Eu me cansei do que você andava fazendo comigo. Imagine só. Se eu não me rebelasse, estaria agora exibindo essa cara de quem acabou de ser atropelada por um tanque de guerra. Não, senhora. Comigo não! Chega!

- Mas quando foi que você decidiu isso?

- Já faz algum tempo que eu venho arquitetando isso. Tentei contemporizar, te mandar alguns sinais claros e evidentes de que você podia e precisava fazer alguma coisa, cuidar um pouco melhor de mim. Te dei muitas oportunidades. Você às vezes até parecia entender. Mas fingia remediar a situação com pó, blush, sombra e rímel. E continuava me matando aos poucos. Ontem à noite na boate foi a gota d'água: eu simplesmente não suportava mais ter que fazer essa cara de "tudo bem", apesar do olhar injetado e do brilho diabólico nas pupilas. Foi naquele momento que eu desisti de lutar contra o inevitável: você não tem jeito, mesmo.

- Eu não estou entendendo.

- É muito cômodo pra você dizer isso. Eu estou certa de que está entendendo tudo direitinho. Só que é difícil aceitar, eu sei.

- É definitivo? Não existe a menor chance de você voltar atrás? Eu prometo que…

- Poupe-me de suas promessas. Eu te acompanho há tempo suficiente pra não acreditar em nenhuma delas. É definitivo, sim. Se você quer se acabar nisso que você enche a boca pra chamar de vida, fique à vontade. Enquanto isso, eu permanecerei aqui, fresca e linda (quer dizer, nem tão linda assim – eu tenho espelho em casa), imune aos seus excessos e desvarios.

- Mas como é que eu vou viver sem você? Quer dizer, eu não posso viver sem você. Eu preciso de você. Sempre precisei.

- Mais uma mentira. A você sempre bastou a imagem que você acha que as pessoas têm de você. Você nunca me viu como eu realmente sou.

- Não, não é nada disso!...

- ???

- Como é que eu vou fazer pra me maquiar?

terça-feira, 10 de novembro de 2009

TEMPOS MODERNOS - SOLIDÃO

O relógio finalmente marcou as tão esperadas cinco horas.

Fechou a gaveta, remexeu na bolsa, certificando-se de que estava tudo lá, conferiu a mesa de trabalho mais uma vez.

Levantou-se e rumou apressadamente em direção à saída, resmungando "até amanhã" e "boa noite" aos colegas de trabalho.

No hall do elevador, enquanto esperava, uma amiga a cumprimenta efusivamente e começa a disparar uma série de frases que lhe pareceram ininteligíveis. Parece, não estava bem certa, que a convidou para um happy hour ou coisa parecida, que cuidou de recusar meio polida, meio distante. Estava com pressa. Tinha assuntos urgentes a tratar.

Parou rapidamente no mercado da esquina, comprou alguns enlatados, creme dental, sabonete; somente o essencial, pra agüentar até o fim do mês. Na caixa registradora, a atendente puxou conversa, como sempre fazia com os clientes mais assíduos. Mas ela parecia não escutar. Balbuciou qualquer coisa e despediu-se apressada.

Tomou o ônibus na parada de sempre, onde sempre as mesmas caras pareciam aguardar ansiosamente a aparição do coletivo descendo a movimentada avenida. Evitava olhar para os lados, como se assim inibisse os habituais colegas de se aproximarem e puxarem conversa. Olhava o relógio a cada cinco segundos, como se pudesse acelerar a marcha do tempo ou dissipar a balbúrdia do trânsito.

Embarcou, procurou um assento. Impossível, principalmente naquele horário. Um jovem cedeu-lhe lugar para que se sentasse (coisa raríssima nos dias de hoje), ela agradeceu entre dentes e de olhos baixos e antes que ele pudesse lhe dirigir qualquer gracejo, sacou da bolsa um livrinho e fingiu mergulhar na leitura.

Desceu do ônibus e percorreu a passos rápidos e com os olhos grudados no chão as duas quadras que lhe separavam do pequeno apartamento.

Cumprimentou com um grunhido o porteiro, pensou em checar a caixa postal, mas desistiu. Venceu os seis lances de escada que a levariam ao terceiro andar já com as chaves na mão.

Escancarou a porta, largou a bolsa e as sacolas de compras sobre a mesa, fez um ligeiro cafuné no gato, que apareceu preguiçosamente mais para ver que barulho era aquele que pra cumprimentá-la e correu para o quarto, sentando-se em frente ao computador que permanecera ligado e digitando freneticamente : WWW. CHATSOLIDAO.COM.BR.

Sentia-se só.

Precisava muito conversar com alguém.

VÍDEO - "DISGRAÇADA", LAMÚRIAS DA CORNITUDE REVELADA

Salve, nação blogueira!!!

Seguindo a ideia de colocar um pouco de música nessa prosa (e como já fomos enfáticos ao afirmar que gosto não se discute), aí vai uma brincadeirinha que gravamos há algum tempo.

A qualidade técnica é sofrível, a temática é esdrúxula e os acordes beiram o tétrico. Mas a proposta é "rir da vida".

Portanto, aprecie sem moderação.

PAZ!!!

Obs : estamos enviando também para o Graragem do Faustão. Parece que vale tudo naquele quadro, mesmo...rsrs

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

VAMOS COLOCAR MÚSICA NESSA PROSA?


Não tem quem não goste de boa música.


Está certo que "boa música" é um conceito de caráter personalíssimo e não estamos aqui pra discutir o gosto alheio. Como todo bom brasileiro sabe, religião, futebol, política e música são assuntos que não se discutem.


A partir de hoje estamos disponibilizando para download gratuito uma lista de músicas/autores/cantores que gostamos de ouvir.


Uma lista eclética, ma non troppo, que será periodicamente atualizada.


Pedidos são bem vindos e serão atendidos de acordo com a disponibilidade.


No mais, sinta-se em casa e esteja à vontade para baixar o que quiser, para ouvir no volume que desejar.


Afinal de contas, num ponto ninguém discorda: uma boa música ajuda a prosa a correr mais suave.


PAZ a todos!!!

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

VIA ES


Salve, nação blogueira!


São muito raros os momentos em que utilizei este espaço como a maioria das pessoas utiliza um blog, ou seja, falando diretamente às pessoas.


Desde quase sempre deixei claro que aqui estou dando forma a um sonho antigo de ver algo publicado no bom e velho formato de livro, com papel, tinta, cheiro, capa, dedicatória e ISBN.


Das várias metáforas que me vêm à mente, quando me refiro ao pequenino trabalho que venho desenvolvendo por aqui, bem como em outros blogs por esse cyberespaço afora, duas me enternecem mais profundamente: a semente lançada ao solo e o caminho.


São imagens fortes e auto-elucidativas.


A semente está lançada, a germinação já é uma realidade. Resta trabalhar, com afinco, persistência e carinho, para que floresça e frutifique.


O caminho está aí, à frente, sendo trilhado aos poucos. Trancos e muitos barrancos se interpõem. Mas é gratificante olhar pra trás e ver que o pouco que já se caminhou é muito mais que o nada da inação. Muito bom reconhecer que não estou "sentado à beira do caminho".


Coincidentemente (ou não intencionalmente) são duas metáforas que encontram respaldo no Novo Testamento. Sem qualquer intenção de conotação religiosa ou sectária. Há os que buscam a santidade e há os que se jactam dela. Meu profundo respeito a todos, indistintamente.




Estão todos convidados!


A todos um fim de semana de PAZ!!!

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

GENTE ASSIM



Dia desses, curtindo um desses raros momentos em que a vida nos empresta um nada de tempo pra matutar, enquanto a estrada passava pela janela do coletivo, arrastando consigo postes, árvores, casas e gentes de todo tipo, cerrei os olhos pra enxergar melhor e pus-me a imaginar de que tipo de gente eu gostava mais. Afinal de contas, gente é um bicho pra lá de complicado: tudo do mesmo gênero e espécie, mas cada um com sua mania de achar que é um universo em si.


A primeira imagem que me veio à mente foi do Super Homem. Aquele, vivido pelo Cristopher Reeve, nem sei quanto tempo faz, quando ainda existia Cine Broadway e tantas delícias mais. Tenho que confessar aqui, mas não contem pra ninguém, que foi a minha primeira visita ao cinema, e é claro que toda aquela aura de novidade influenciou sobremaneira a maneira como vi o filme e o quanto aquilo me afetaria por toda a vida.


É claro que eu queria ser como ele. Afinal de contas, vencer um cara como o Lex Luthor, salvar o mundo e ainda derrotar a morte (lembra daquela cena em que a Lois Lane é tragada com carro e tudo por uma enorme fenda no solo e o intrépido mocinho, sem pensar duas vezes, inverte o sentido de rotação do planeta inteiro, fazendo voltar o tempo e ressuscitando a mulher amada? Passei horas incontáveis e deliciosas dando as mais convincentes explicações científicas para o inusitado feito.) não era mesmo tarefa pra qualquer um. É claro que até hoje eu não consigo entender porque um cara que era super em tudo, inclusive na inteligência, insistia em usar a cueca por cima da calça. Nisso eu não queria ser como ele, embora talvez fosse o mais fácil de imitar.


Além de estar sempre pronto para salvar o mundo, atento a todo e qualquer pedido de socorro, ainda tinha que disfarçar-se de Clark Kent, dar conta de escrever para o jornal e tomar bronca do chefe sem jamais alterar a voz ou sequer pensar em vomitar aquela famigerada frase que tanta gente com muito menos mérito e condições usaria sem a menor sombra de hesitação: "você sabe com quem está falando?!" Em uma palavra, o genro dos sonhos de qualquer mãe zelosa.


Passou o tempo. Outros heróis vieram povoar meu imaginário; alguns (muito) poucos, ocuparam espaço na minha realidade. Mas o primeiro a gente nunca esquece.


Passou o tempo, como o tempo sempre passa. E não tem Super Homem ou botox que o faça regredir. Os super heróis ficaram pra trás.


Hoje nem o Super Homem é mais o mesmo. Foi promovido a Superman. (Nossos pequenos, desde muito cedo, são doutrinados a reconhecer que MAN é algo muito superior a qualquer homem. E capricham na pronúncia.) Mas continua lá, nos espiando do alto das nuvens, sempre pronto a atender todo e qualquer grito de "HELP".


Ligeiro, astuto e sempre penteado, é desse tipo de supergente que não hesita, nunca titubeia; tem sempre uma resposta pronta pra tudo, seja em sua mente invariavelmente brilhante, seja em seus sempre retesados músculos de aço. Nunca se deixa assolar pela dúvida. E o que é pior, nunca tem preguiça.


Pensando bem, acho que ele continua o mesmo.


Eu é que não gosto mais de gente assim.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

DIA DE OLHAR PRO CÉU





Já andei reclamando algumas vezes sobre o reformismo que querem impor (até agora eu não tive a menor coragem ou disposição de procurar saber quem) em nossa Língua (assim mesmo, com possessivo em primeira pessoa do plural e escrita em maiúscula, para que não paire nenhuma dúvida ou se dê margem a trocadilhos infames – é preciso muito cuidado: hoje em dia, mesmo o mais inocente dos verbetes pode se transformar em ofensa cabeludíssima. Mas é claro que isso depende muito mais de quem lê do que de quem escreve).


Meus pingüins não perderam o trema até hoje e confesso que tentei com bastante ênfase ter idéias sem acento, mas me pareceram insossas e inconsistentes (eu diria esdrúxulas, soaria mais realista); prova disso é o silêncio sepulcral que esta coluna testemunhou nos últimos muitos dias.


Enfim, chega de queixas! Meus tímidos protestos arrebanharam pouquíssimos (mas sinceros) seguidores e nada mudou. Deixemos essas modernidades pra meninada que está sendo alfabetizada agora. Escrevamos certo ou errado, eles terão mesmo que encontrar um motivo pra rir de nós no futuro. Só estou facilitando as coisas.


Peço encarecidamente que não me chamem de adesista. Mas já que já mudou e não tem como voltar atrás, gostaria de convidar os amigos mais atentos a uma análise superficial sobre algo que poderiam (ou deveriam) modificar: os dias da semana.


É "feira" pra lá, "feira" pra cá, e os nossos vizinhos lingüísticos com remissões muito mais elevadas, se não românticas. Tomemos como exemplo os dias da semana em espanhol, italiano e francês, respectivamente, por serem idiomas derivados do latim, como o nosso.


Vejamos:


Segunda feira (com ou sem hífen?) – LUNES, LUNEDI, LUNDI – o dia da Lua.


Terça feira – MARTES, MARTEDI, MARDI – dia de Marte.


Quarta feira – MIERCOLES, MERCOLEDI, MERCREDI – dia de Mercúrio.


Quinta feira – JUEVES, GIOVEDI, JEUDI – dia de Júpiter.


Sexta feira – VIERNES, VENERDI, VENDREDI – dia de Vênus.


Ora bolas! Enquanto nossos parceiros nessa latinidade que canta são semanalmente convidados a olhar para o céu, buscando a inacessível altitude dos astros, nossos dias remetem à xepa, ao regateio e ao tomate meio apodrecido.


No sábado e no domingo eu não mexeria.


Sábado provavelmente deriva do Shabat hebraico e Domingo vem de Dominus, do latim, o que um dia talvez devesse ser entendido como o dia do Senhor. E nessas coisas a gente não deve ficar mexendo muito.


Se bem que em Inglês, Saturday (dia de Saturno) e Sunday (dia do Sol), além de darem continuidade ao raciocínio latino, soam até que bem bonitinhos.


Mas deixa isso pra lá. Já ficou mais que claro que fim de semana por essas bandas é sagrado. Modificar pode gerar uma grita geral, movimentar as massas, gerar uma polêmica indesejada. Longe de nós.


Não se mexe nos fins de semana.


A menos que seja para prolongar.


Mas aí não importa o nome que se vai dar.