Depois de uma espera muito mais longa do que esperava (que essas coisas de esperar são sempre mais longas do que esperamos), na apertada e quente antessala do consultório, finalmente a recepcionista lhe diz as palavras mágicas:
- O senhor já pode entrar…
“Já?!”, ele quis pensar, mas deixou pra lá. Melhor pensar “finalmente”.
A psicóloga lhe esperava à porta. Estendeu-lhe a mão. Disse boa noite. Uma mulher na casa dos quarenta anos, um sorriso quase formal no rosto, aqueles óculos de aros metálicos fitando-o com ar de quem deseja adivinhar o que se passa por dentro de sua atribulada cabecinha e encontrar uma solução simples e monossilábica para todos os seus problemas. Bonita, mas não muito. Os cabelos presos no que deveria ter sido um coque, no início do expediente, e que agora, dependendo do ângulo em que se os olhava, pareciam ora soltos, ora atados num displicente rabo de cavalo.
Cumprimentou-a tentando fingir naturalidade, olhando por cima dos ombros dela, tentando tomar pé do ambiente. Entraram.
O consultório era bem diferente do que fantasiara. Nada de divã num canto, espremido entre prateleiras entulhadas de livros velhos e bolorentos. Nada de luminária pendendo do teto. O que via era uma sala bem iluminada, com uma mesa de trabalho sobre a qual pousava um laptop com cara de bastante usado, quadros nas paredes. E dois sofás, um de dois e um de três lugares, com um estofamento azul alguma coisa (ele não chegava a ser monocromático, mas com certeza muito menos cromático que qualquer mulher – era azul e pronto o sofá. E parecia muito confortável).
Sentaram-se, ela no de dois lugares. Ele de frente pra ela, sem saber direito onde pousava as mãos e os olhos. Ela puxou a conversa.
- E então?! – pausa – O que o trouxe até aqui?
Ele engasga, tem vontade de fugir, pigarreia, mas lembra-se do valor da consulta e começa a falar sobre os descaminhos todos que já percorrera, da busca incessante por algo que não sabe nem o que é, das constantes mudanças de direção, seja nos relacionamentos afetivos, seja no campo profissional. Em todo esse tempo só não mudara de pai e mãe. E a frase que ele ensaiara durante toda a semana, desde que finalmente conseguira agendar aquela consulta:
- Parecia que a trilha sonora da minha vida era aquela música do Raul Seixas: Metamorfose Ambulante. Pelo menos é como eu me sentia.
Ela escuta pacientemente, sem interromper. Não anota nada. Nem porta papel e lápis. Apenas ouve.
- Sem dúvida alguma estamos fazendo muitos progressos para uma primeira consulta.
Ele não entendeu, mas também não quis perguntar. Afinal de contas, era uma boa notícia.
- Mas precisamos atacar um problema de cada vez.
- Sim, e por onde começamos? – riso amarelo, ansioso por sair dali e fumar logo dois cigarros.
- Que tal se nós focássemos inicialmente nessa sua insatisfação constante?
- A senhora…
- Você, por favor!
- OK! Você acha que eu sofro disso?
- Bom, considerando-se as constantes mudanças de direção em sua vida, tem-se muito claramente um padrão de insatisfação generalizada, revelando problemas de ordem existencial.
- Sim, mas nada disso me incomoda mais.
- Mas você não me disse que escolheu Metamorfose Ambulante como trilha sonora de sua vida?
- Sim, eu disse que essa ERA a trilha…
- E não é mais?!
- Não. Mudei…
- O senhor já pode entrar…
“Já?!”, ele quis pensar, mas deixou pra lá. Melhor pensar “finalmente”.
A psicóloga lhe esperava à porta. Estendeu-lhe a mão. Disse boa noite. Uma mulher na casa dos quarenta anos, um sorriso quase formal no rosto, aqueles óculos de aros metálicos fitando-o com ar de quem deseja adivinhar o que se passa por dentro de sua atribulada cabecinha e encontrar uma solução simples e monossilábica para todos os seus problemas. Bonita, mas não muito. Os cabelos presos no que deveria ter sido um coque, no início do expediente, e que agora, dependendo do ângulo em que se os olhava, pareciam ora soltos, ora atados num displicente rabo de cavalo.
Cumprimentou-a tentando fingir naturalidade, olhando por cima dos ombros dela, tentando tomar pé do ambiente. Entraram.
O consultório era bem diferente do que fantasiara. Nada de divã num canto, espremido entre prateleiras entulhadas de livros velhos e bolorentos. Nada de luminária pendendo do teto. O que via era uma sala bem iluminada, com uma mesa de trabalho sobre a qual pousava um laptop com cara de bastante usado, quadros nas paredes. E dois sofás, um de dois e um de três lugares, com um estofamento azul alguma coisa (ele não chegava a ser monocromático, mas com certeza muito menos cromático que qualquer mulher – era azul e pronto o sofá. E parecia muito confortável).
Sentaram-se, ela no de dois lugares. Ele de frente pra ela, sem saber direito onde pousava as mãos e os olhos. Ela puxou a conversa.
- E então?! – pausa – O que o trouxe até aqui?
Ele engasga, tem vontade de fugir, pigarreia, mas lembra-se do valor da consulta e começa a falar sobre os descaminhos todos que já percorrera, da busca incessante por algo que não sabe nem o que é, das constantes mudanças de direção, seja nos relacionamentos afetivos, seja no campo profissional. Em todo esse tempo só não mudara de pai e mãe. E a frase que ele ensaiara durante toda a semana, desde que finalmente conseguira agendar aquela consulta:
- Parecia que a trilha sonora da minha vida era aquela música do Raul Seixas: Metamorfose Ambulante. Pelo menos é como eu me sentia.
Ela escuta pacientemente, sem interromper. Não anota nada. Nem porta papel e lápis. Apenas ouve.
- Sem dúvida alguma estamos fazendo muitos progressos para uma primeira consulta.
Ele não entendeu, mas também não quis perguntar. Afinal de contas, era uma boa notícia.
- Mas precisamos atacar um problema de cada vez.
- Sim, e por onde começamos? – riso amarelo, ansioso por sair dali e fumar logo dois cigarros.
- Que tal se nós focássemos inicialmente nessa sua insatisfação constante?
- A senhora…
- Você, por favor!
- OK! Você acha que eu sofro disso?
- Bom, considerando-se as constantes mudanças de direção em sua vida, tem-se muito claramente um padrão de insatisfação generalizada, revelando problemas de ordem existencial.
- Sim, mas nada disso me incomoda mais.
- Mas você não me disse que escolheu Metamorfose Ambulante como trilha sonora de sua vida?
- Sim, eu disse que essa ERA a trilha…
- E não é mais?!
- Não. Mudei…
Sabe, uma vez eu tentei fazer terapia, fuia 2 consultas.... não dei conta.... acho que meu caso nem psiquitra da conta...rsrsrsrs....beijos e bom final de semana...
ResponderExcluirO pior problema às vezes é achar que existe um.
ResponderExcluirAbração!
Ricardo, que foto linda!
ResponderExcluirAdoro as sementes que espalha lá no jardim. :)
Desejo uma semana toda bonita pra sua vida.
Beijos
Obrigado aos amigos e amigas pelos comentários.
ResponderExcluirUma semana de muita PAZ a todos!!!
Grande abraço!!!