Como de praxe, naquela quinta-feira ela recebia as amigas para o chá da tarde. Mania de gente refinada. Não eram muitas e quiçá nem todas fossem amigas, mesmo, mas isso já é uma outra história.
Sentavam-se na sala recém confortável e punham-se a conversar sobre assuntos vários. O que também não vem ao caso. Seria indelicadeza nossa querer saber sobre o que conversam aquelas amigas num chá da tarde. São pessoas refinadas.
Por acaso estava uma folha de papel manuscrita pousada displicentemente sobre o aparador na lateral da sala. Do jeitinho mesmo que ficam os papéis esquecidos, a que não damos muita importância.
Por acaso (quantas coisas boas acontecem por acaso; quanto às más, não sei, não) Verônica passava os olhos pelos porta retratos ali dispostos e bateu os olhos na folha. Tomou-a, leu-a, ajeitou os óculos, releu-a, suspirou e exclamou (essa gente é refinada, mas vive exclamando):
- Amiga, pelo amor de Deus! Quem foi que escreveu isso?!
Ela interrompeu uma frase pelo meio (estava sempre falando), torceu o nariz, olhou para a folha nas mãos de Verônica e respondeu com um breve ar de desaprovação:
- Foi o César. Ele vive me escrevendo essas bobagens. Por quê?! Muitos erros de Português?
- Muito pelo contrário, meu amor! Isto é magnífico. Você tem em casa um raríssimo exemplar de poeta da melhor qualidade. Um verdadeiro parnasiano. E apaixonadíssimo. Que sorte a sua.
É claro que ela nem fazia idéia do que fosse um parnasiano. Em outro contexto poderia achar que era alguma dessas doenças psiquiátricas que vivem descobrindo por aí. Como também é claro que ela não tinha idéia da qualidade dos textos que o César lhe escrevia com grande freqüência. Fingia ler, quando ele lhos entregava com um largo sorriso no rosto, depois enfiava tudo numa pasta.
- Oh, sim, querida. Guardo tudo que ele me escreve a sete chaves numa pasta. Estou até pensando em mandar encadernar. Capa dura e tudo mais.
E durante uns cinco minutos o assunto da roda deixou de ser a vida alheia e passou a ser os poemas do César. Ela entregou a pasta com os manuscritos que guardara a Verônica. Todas passaram os olhos em alguns poemas escolhidos aleatoriamente. Fingiram grande interesse, repetiram com um certo frisson algumas palavras mais rebuscadas e logo voltaram aos assuntos que lhes eram mais caros. Somente a Verônica continuou a ler os textos. Estava terminando uma pós em História da Literatura Lusófona e deliciava-se com o que tinha à sua frente. Era um achado.
Na despedida ainda lhe disse:
- Cuide bem do seu poeta, querida. Ele tem futuro.
- Ah, claro, querida! Cuidarei sim. Eu sempre lhe disse que ele só precisa de um empurrãozinho. E nisso nós somos boas, não é, meninas?
Gargalhada geral. A última daquele agradável chá. Despediram-se e ainda se ouviam alguns comentários esparsos sobre os poemas do César no hall do elevador.
Ela fechou a porta e, antes de recolher a porcelana do chá, acendeu um cigarro e passou os olhos em algumas folhas de papel que estavam sobre a mesinha de centro. E foi guardando-as novamente na pasta, agora de maneira um pouco mais cuidadosa. “Será?” – pensou. Encolheu os ombros. A Verônica sempre fora metida a intelectual. Talvez soubesse o que estava dizendo.
Dias depois, ao chegar da academia, encontrou sobre a mesa de jantar uma folha do bloquinho de notas que ficava ao lado do telefone. Tomou-a com sofreguidão:
“Querida,
Hoje tenho uma reunião importante na filial de Caldeiras.
Devo chegar um pouco mais tarde, mas a tempo para o jantar.
Qualquer problema, me ligue.
Beijos!
César”
Ela leu, releu e novamente. Seus olhos brilharam. Guardou-a cuidadosamente na gaveta do centro do aparador.
Mal podia esperar para mostras às meninas.
Se eu entendi bem...
ResponderExcluirRecados...
Ela nem prestava atenção...
Poesias?
Recados?
Isso não importa muito...
Vivia um relacionamento superficial como muitos...
Devemos prestar muita atenção em quem esta ao nosso lado...
Pois, é dele (a) que depende nossa felicidade...
Alguns fatos por menores são de grande valor...
Texto sugestivo...
Tenha um ótimo fim de semana Ricardo...
Bjs..
Chrys
;)
Muito bom, como tudo que escreve, adoro passar por aqui;mas, ném todas as mulheres estão preparadas para ter um "Escritor de Cabeceira", algumas nem livro...Salve quem tem e dá valor!!!
ResponderExcluirBjs