sexta-feira, 7 de agosto de 2009

SANTO DE CASA

Como de praxe, naquela quinta-feira ela recebia as amigas para o chá da tarde. Mania de gente refinada. Não eram muitas e quiçá nem todas fossem amigas, mesmo, mas isso já é uma outra história.
Sentavam-se na sala recém confortável e punham-se a conversar sobre assuntos vários. O que também não vem ao caso. Seria indelicadeza nossa querer saber sobre o que conversam aquelas amigas num chá da tarde. São pessoas refinadas.
Por acaso estava uma folha de papel manuscrita pousada displicentemente sobre o aparador na lateral da sala. Do jeitinho mesmo que ficam os papéis esquecidos, a que não damos muita importância.
Por acaso (quantas coisas boas acontecem por acaso; quanto às más, não sei, não) Verônica passava os olhos pelos porta retratos ali dispostos e bateu os olhos na folha. Tomou-a, leu-a, ajeitou os óculos, releu-a, suspirou e exclamou (essa gente é refinada, mas vive exclamando):
- Amiga, pelo amor de Deus! Quem foi que escreveu isso?!
Ela interrompeu uma frase pelo meio (estava sempre falando), torceu o nariz, olhou para a folha nas mãos de Verônica e respondeu com um breve ar de desaprovação:
- Foi o César. Ele vive me escrevendo essas bobagens. Por quê?! Muitos erros de Português?
- Muito pelo contrário, meu amor! Isto é magnífico. Você tem em casa um raríssimo exemplar de poeta da melhor qualidade. Um verdadeiro parnasiano. E apaixonadíssimo. Que sorte a sua.
É claro que ela nem fazia idéia do que fosse um parnasiano. Em outro contexto poderia achar que era alguma dessas doenças psiquiátricas que vivem descobrindo por aí. Como também é claro que ela não tinha idéia da qualidade dos textos que o César lhe escrevia com grande freqüência. Fingia ler, quando ele lhos entregava com um largo sorriso no rosto, depois enfiava tudo numa pasta.
- Oh, sim, querida. Guardo tudo que ele me escreve a sete chaves numa pasta. Estou até pensando em mandar encadernar. Capa dura e tudo mais.
E durante uns cinco minutos o assunto da roda deixou de ser a vida alheia e passou a ser os poemas do César. Ela entregou a pasta com os manuscritos que guardara a Verônica. Todas passaram os olhos em alguns poemas escolhidos aleatoriamente. Fingiram grande interesse, repetiram com um certo frisson algumas palavras mais rebuscadas e logo voltaram aos assuntos que lhes eram mais caros. Somente a Verônica continuou a ler os textos. Estava terminando uma pós em História da Literatura Lusófona e deliciava-se com o que tinha à sua frente. Era um achado.
Na despedida ainda lhe disse:
- Cuide bem do seu poeta, querida. Ele tem futuro.
- Ah, claro, querida! Cuidarei sim. Eu sempre lhe disse que ele só precisa de um empurrãozinho. E nisso nós somos boas, não é, meninas?
Gargalhada geral. A última daquele agradável chá. Despediram-se e ainda se ouviam alguns comentários esparsos sobre os poemas do César no hall do elevador.
Ela fechou a porta e, antes de recolher a porcelana do chá, acendeu um cigarro e passou os olhos em algumas folhas de papel que estavam sobre a mesinha de centro. E foi guardando-as novamente na pasta, agora de maneira um pouco mais cuidadosa. “Será?” – pensou. Encolheu os ombros. A Verônica sempre fora metida a intelectual. Talvez soubesse o que estava dizendo.
Dias depois, ao chegar da academia, encontrou sobre a mesa de jantar uma folha do bloquinho de notas que ficava ao lado do telefone. Tomou-a com sofreguidão:
“Querida,
Hoje tenho uma reunião importante na filial de Caldeiras.
Devo chegar um pouco mais tarde, mas a tempo para o jantar.
Qualquer problema, me ligue.
Beijos!
César”
Ela leu, releu e novamente. Seus olhos brilharam. Guardou-a cuidadosamente na gaveta do centro do aparador.
Mal podia esperar para mostras às meninas.

2 comentários:

  1. Se eu entendi bem...
    Recados...
    Ela nem prestava atenção...
    Poesias?
    Recados?
    Isso não importa muito...
    Vivia um relacionamento superficial como muitos...
    Devemos prestar muita atenção em quem esta ao nosso lado...
    Pois, é dele (a) que depende nossa felicidade...
    Alguns fatos por menores são de grande valor...
    Texto sugestivo...
    Tenha um ótimo fim de semana Ricardo...
    Bjs..
    Chrys
    ;)

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  2. Muito bom, como tudo que escreve, adoro passar por aqui;mas, ném todas as mulheres estão preparadas para ter um "Escritor de Cabeceira", algumas nem livro...Salve quem tem e dá valor!!!
    Bjs

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