domingo, 31 de maio de 2009

FILÉ MARATA MUNDI


Sábado foi dia de fazer ARTE em outro cômodo da casa.
Batizei de FILÉ MARATA MUNDI.
MARATA, porque considero o PEROÁ um peixe tipicamente maratimba (sem pejorativo)
MUNDI por combinar tendências como BATATAS SOTÉ (batatas,de origem sulamericana, apesar do nome batata inglesa - Deus Salve a Rainha, pois foram eles que difundiram essa delícia para todo o mundo civilizado - SOTÉ, de origem francesa) com um refogado de legumes com forte sotaque ASIÁTICO. Enfim, um peixe globalizado... rsrs
ARTE para os cinco sentidos, como tem que ser.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

LÁ VEM ELE...

Eu já te apresentei o Zôto?
Não?!
Desculpe a estupefação.
Mais ainda a desatenção.
Precisa tempo pra falar dele.
Aguardem

POSSO CITAR QUINTANA? SÓ HOJE...


A COISA
A gente pensa uma coisa, acaba escrevendo outra e o leitor entende uma terceira coisa... e, enquanto se passa tudo isso, a coisa propriamente dita começa a desconfiar que não foi propriamente dita.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

COTONETES, O ALENTO


Manteve os olhos fixos no espelho, enquanto limpava as orelhas com o cotonete.
Era o único carinho que merecia naquele dia.

JÁ / SEMPRE / MAIS

Jamais serei sempre novamente
Jamais serei jamais
Hoje sou quase nada
Mas não me importo
O tempo continua sua marcha
Atropelando filósofos e executivos

Jamais direi jamais novamente
Já é o tempo
Mais, talvez agora
Talvez nunca
Esteja longe demais
Dos segundos que nos restam do mundo.

terça-feira, 26 de maio de 2009

NÃO FOSSEM OS EGOS E ISMOS
VOARÍAMOS LIVRES
COMO SE FÔSSEMOS DOIS

NÃO FOSSEM OS NOSSOS DEFEITOS
SERÍAMOS PRESOS E CRUCIFICADOS

segunda-feira, 25 de maio de 2009

COLCHÕES NOVOS

Manhã de sábado!

Céu de um azul que dói. Sol aconchegante, arregalado no céu, a projetar seus raios como abraços de mãe, calorosos e ternos. Uma brisa que sopra de nordeste vem trazer um quase frio, daqueles que nos faz sentar e pensar na vida. Entrar no mar, nem pensar, que a água deve estar um gelo. Ainda mais que a maré está meio virada, dando essa cor meio café com um pingo de leite.

Importa não. Eu ficaria dias aqui nesse sol, nessa brisa, nessa companhia, só ouvindo o marulhar.

Daqui dá pra ver a estrada. Poucos carros passando. De repente um que me chama a atenção, antes mesmo de entrar em meu campo visual : ruído de sacolas ao vento, fazendo grande algazarra. Desvio meus olhos do gavião que faz evoluções ao vento, procurando não sei o quê na vegetação rasteira, e espero alguns segundos até que aquele ruído se transforme em visão.

Um carro velho, sei lá se Monza, se Chevette, sentido Saco dos Cações. Em cima um bagageiro. E sobre eles, quatro ou cinco colchões tinindo de novos, no plástico, ainda.

Imagino que seja o vendedor a fazer a entrega.

Esqueço o mar, o sol, essa brisa suave, até mesmo o gavião, que a essa altura já pousou novamente no mesmo galho, por cansar de procurar.

Esta noite, alguém vai se deitar em colchões novos.

Posso ouvir a algazarra dos meninos, correndo descalços atrás do carro que chega com sua algaravia de muitas sacolas ao vento, gritando “Mãe, o colchão chegou!”, espantando cachorro, levantando poeira pelo caminho.

Posso ver a mãe chegando à porta da casinha miúda, assomando ao terreiro, enxugando as mãos no pano de prato, um sorriso largo lhe tomando a cara, inundando de brilho os olhos cansados.

Posso ouvir o resmungo e o muxoxo da filha adolescente, que pra esses nunca nada tá bom: “humpf, grande coisa…”, revirando e encolhendo os ombros, enquanto tenta ajustar a sintonia da FM.

O pai tá na linda, ainda, que ainda tem muito sol por hoje. Mais tarde, terminado dia, que a labuta não finda, enxugar o suor da testa, uma pinga no boteco da vila, rumar pra casa. Quando chegar por lá, os meninos certamente estarão dando mil cambalhotas nos colchões velhos, que estarão imundos no meio do terreiro, galinhas bicando a palha que sai pelos mil rasgos do tecido, os cachorros olhando de longe. Os novos estarão já sobre as camas, devidamente vestidos com os melhores lençóis da família. Ao entrar no barraco, esconderá um pequeno sorriso de um grande triunfo.

Esta noite, alguém vai se deitar em colchões novos.

Há poesia nisso…

AGUARDEM - ISSO AINDA VAI VIRAR UM VIDEOCLIPE




VEM MAIS EU, VEM MAIS EU
SIMBORA FUGIR DAQUI
VEM MAIS EU, VEM MAIS EU
VIVER DE AMOR E ABACAXI
VEM MAIS EU, VEM MAIS EU
FINCAR O CHÃO, CRIAR RAÍZES
VEM MAIS EU, VEM MAIS EU
MORAR NESSE LUGAR QUE CHAMA MARATAÍZES

EU VIM LÁ DA CIDADE, ONDE FAZ TODO DIA UM CALOR DA PESTE
ME SENTEI NA AREIA E FIQUEI ABRAÇADO AO VENTO NORDESTE
QUANDO O SOL SE ESCONDEU E A LUA PÔS A CARA PRA PASSEAR
ESQUECI DA MINHA VIDA, ESQUECI QUE TINHA QUE TRABALHAR.

VEM MAIS EU…

E NA BEIRA DAS ÁGUAS OUVI UMA VOZ ME CHAMANDO ASSIM
VEM, MEU FILHO, MERGULHA, ENTREGA SEUS PROBLEMAS PRA MIM
ATÉ HOJE NÃO SEI SE ERA NOSSA SENHORA OU IEMANJÁ
EU SÓ SEI QUE DEIXEI TODAS DORES DA VIDA NO FUNDO DO MAR.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

ROMANCE "INCOMEÇADO"

Sentou-se à frente do computador e pôs-se a divagar. Olhava o nada, com aquele olhar perdido de quem deseja encontrar sabe-se lá o quê; onde, então, nem se fala... há muito que o desejo de dar asas à imaginação e colocar no papel suas idéias lhe assaltava, sempre nas horas mais impróprias – assim deve acontecer com os grandes gênios, pensava – e com os loucos, pensamos nós.

Estava decidido de que seria um romance, e convencido de toda sorte de motivos para fazê-lo, ainda que todos inconfessáveis. Primeiro, obviamente, pela importância do cargo. O status de romancista lhe seduzia sobremaneira; nada de crônicas que se possam ler em dois minutos, ou poemas que, para serem compreendidos, levariam um time de psiquiatras e uns tantos outros loucos. A um conto, ou alguns, poderia até deixar vazar, de vez em quando, mas pensava grandioso, agora. A começar-se alguma coisa, que se o faça em grande estilo. Suas idéias, que sempre quisera colocar no papel, mereciam um romance. Capa dura e tudo mais.

Ainda carecia de título, mas estava convencido de que este se mostraria aos poucos, ao longo do desenvolvimento de sua obra-prima. Não desejava circunscrever seus personagens, sua trama, decretando um título logo no início do processo de criação. Não, senhor... se a obra vai se criando a si mesma, num crescendo irrefreável, que tratasse, pois, de nomear-se também. Colocava-se agora na posição de mero porta-voz de uma criação que transcendia o criador, verdadeiro mártir da literatura.

“A tarde caía lentamente em Broughtonville. No sopé da montanha eternamente coroada de neve, William fitava o horizonte e rememorava os últimos dias de sua vida, que lhe pareciam agora uma eternidade.”

Duas frases e já se via sendo aplaudido no programa do Jô. Dois blocos de entrevistas e no final, “um beijo do gordo”. Releu o que seria o início de sua epopéia, e algo não lhe agradou... Backspace, backspace, backspace... delete. Começa tudo outra vez...

“Cai a noite lentamente em Westertonshire. A luz moribunda do dia se mistura às trevas nascentes, tingindo as nuvens e causando uma estranha sensação em William. Um brilho diferente surge em seu olhar. Do sopé do Monte Whitney, à mercê do vento gelado daquele fim de outono, rememora os últimos momentos de sua vida, que lhe parecem agora uma eternidade.”

- Estamos progredindo! Já temos quatro frases! – levantou-se em busca de um café, colocou Beethoven no CD player, que o momento era solene e merecia cerimônia, e voltou para sua tela de cristal líquido. Releu. Em voz alta. Não era aquilo...

- Westertonshire? De onde diabos saiu esse nome? Tá certo que eu precisava de um nome inglês bem britânico. Mas Westertonshire é quase uma blasfêmia.

Estava pensando no futuro. Vai que Hollywood se interessa em transformar seu clássico nascente em um grande épico do cinema, e não conseguia conceber a grande tela exibindo uma Westertonshire à sombra de um Monte Whitney. E esse tal de William não estava ajudando muito... William de quê, afinal de contas? O que foi que esse William fez de tão importante? E que diabos está fazendo no pé do Monte? Não! Definitivamente não estava ali pra escrever a história de um William que nem sobrenome tinha.

O café estava gelado na garrafa térmica. Fora passado de manhã (ou será que foi ontem?). Experimentou um gole e deitou o resto na pia. Estava intragável. Melhor uma dose de scotch; combinava mais com o clima britânico que queria imprimir a sua obra. Esquecendo-se, porém, que a última dose do Johnny que guardava para as ocasiões especiais se fora na última vez que o cunhado o visitara. A última e todas as outras. Marcou o texto, “deletou” tudo.

Aquela página em branco à sua frente começava a irritá-lo. Pior, uma página que sequer existia, não podia tocar, cheirar, amassar, rasgar. Ainda arriscou uns quatro inícios, mas cada vez mais impaciente com aquele William, que só fazia olhar pro horizonte. Definitivamente precisava não de um outro nome para seu personagem, mas de outro personagem. Que aquele William não dava nem pro começo.

Nada mais lhe vinha a cabeça. Aquele Beethoven já lhe soava inconveniente, uma zombaria sobre a sua impotência. Desligou-o. Sentou-se novamente diante da tela branca... e dentro de sua cabeça uma outra tela branca. Que horas devia ser aquilo? Os olhos ardiam do sono que lhe minava aos poucos os pensamentos.

Num misto de raiva e mágoa interior, apontou o ponteiro do mouse para o X vermelho no canto superior direito da tela.

- Maldita máquina! – imprecou, quando a impertinente teve a audácia de lhe perguntar: “Deseja salvar as alterações em Documento 1?” – Não! Peremptoriamente negava a salvação ao detestável Documento 1.

E foi dormir.

PEQUENA FÁBULA QUASE MODERNA

Fim de tarde, quinta-feira de maio, hora do rush.

Aquele momento em que a luz do sol (é, na cidade grande ainda se tem idéia do que seja a luz do sol, pelo cinza mais vivo da perene nuvem de carbono) ainda não esmaeceu por completo e a luz amarelo chumbo dos postes ainda não é capaz de dizer a que veio; aquele momento em que nos convencemos peremptoriamente de que precisamos de mais betacaroteno em nossa dieta; enfim, em que tateamos meio às cegas pelas ruas da cidade, meio sem saber de onde viemos e completamente sem saber para onde vamos.

Lá vai ele, entre carros, buzinas e muita gente sem rosto, por uma calçada da grande avenida, quando de repente um estalo o faz parar. Algo de muito estranho captado por sua parca visão periférica:

- Um Lobisomem!!!

- Perdão, mas o senhor falou comigo?

Perplexo, os olhos querendo saltar das órbitas, ele tenta coordenar a respiração e articular as palavras.

- Você é um… lobisomem! Eu só posso estar ficando louco! Minha ex-mulher estava certa – enfia a mão no bolso, pega o celular e começa a percorrer a agenda – preciso mesmo voltar a ver meu terapeuta. – Isso tudo sem tirar os olhos esbugalhados da face do interlocutor impossível.

- Meu senhor, eu tenho certeza de que não o conheço, o que não é surpresa nenhuma nesta cidade de pedra, mas permita-me dizer que o senhor está se deixando levar pelas aparências, o que pode ser uma fonte inesgotável de mal-entendidos.

Desistiu de encontrar o telefone do psiquiatra, enfiou novamente o telefone no bolso do paletó. Ao inferno o psiquiatra! Estava diante de um momento único e não o desperdiçaria com explicações sobre projeções arquetípicas de figuras do imaginário popular como personificações de nossos medos, angústias, aspirações, bem como uma fatura imensa para pagar e uma receitinha azul. Poderia mesmo ser devorado a qualquer instante por aquela figura grotesca que lhe dirigia a palavra de maneira afável e bem articulada.

- Me desculpe, mas é que eu sempre ouvi histórias a seu respeito, mas sempre achei que fossem fruto da mente imaginativa dos mais velhos. Aliás, dizer que “sempre ouvi” é um exagero. A última vez foi há décadas, quando ainda morava no interior, era ainda uma criança que acreditava em muitas coisas que foram se esvaindo à medida em que a realidade me penetrava dura e cruelmente. Eu sinto muito, mas acho realmente que estou ficando maluco e que daqui a instantes só o que ouvirei será a sirene da ambulância do sanatório…

- Não se preocupe com isso, meu amigo! – e aqui a conversa já começa a ficar mais amistosa no trato, como forma de conter a exaltação do interlocutor. – A bem da verdade, estou deveras habituado a esse tipo de reação. E, se não for um abuso de liberdade de minha parte, sugeriria que continuássemos nossa conversa em algum lugar mais reservado. Há um café muito interessante a uma quadra daqui, em que poderíamos nos sentar e conversar mais à vontade. No mínimo daríamos algum tempo para que esse trânsito infernal se dissipe, se é que isso é possível.

- Pronto! – pensou o homem. – Lá vem o bom e velho lobisomem com seus ardis pra cima de mim. Daqui a pouco dá o bote e me devora. – Mas estava decidido a ir até o fim com essa loucura, pelo menos uma vez na vida. No mínimo seria uma manchete interessante nos jornais do dia seguinte : “EXECUTIVO É DEVORADO POR LOBISOMEM”.

- É uma idéia excelente! Ao café!

Uma vez devidamente sentados e degustando seus fumegantes capuccinos, entabulam uma conversa de velhos amigos que se reencontram após longa ausência.

O lobisomem conta que viera de uma grande família humilde do interior; que fora obrigado desde muito cedo a prover o próprio sustento e o dos irmãos menores, uma vez que o que o pai fazia na roça mal dava para o arroz com feijão; que muitas vezes perambulara à noite pelas desertas estradas do rincão natal, como forma de amenizar o sofrimento por tantas privações vividas; que sua aparência devia-se a uma combinação genética muito comum entre os de sua família, fruto de uma miscigenação que se desencadeara num passado remoto entre imigrantes açorianos e irlandeses; que frequentara com muito sacrifício a escola primária da aldeia onde vivia, caminhando quilômetros sob sol e chuva, para ocupar seu humilde banco escolar em busca das letras que fariam dele o homem (???) que hoje é; que para chegar à escola muitas vezes cortava caminho pela mata, o que lhe encurtava o percurso em algumas horas; que fora, como tantos outros, mais uma vítima do êxodo rural, pelo nada ou muito pouco que o governo fazia pela fixação do homem no campo; que, claro, sentia saudades da vidinha simples na terrinha, aonde procurava voltar pelo menos duas vezes por ano, para visitar a querida mãezinha e os irmãos que por lá ficaram (o pai falecera muitos anos antes – “Sinto muito!”); que trabalhara em muitas ocupações na cidade grande, esforçando-se por graduar-se em Economia; que hoje mantinha um pequeno escritório de assessoria financeira, contando com uma razoável carteira de clientes; que se casara, tinha mulher e dois filhos e conseguia lhes prover conforto e dignidade; e, por fim, que nutria um desejo de voltar para a terrinha natal quando se aposentasse, terminando seus dias perto dos seus.

O homem conta que, também oriundo de uma família humilde do interior, desde muito cedo nutrira planos de mudar-se para a cidade, estudar, ser alguém na vida; conquistara sua independência financeira ainda muito jovem, destacando-se entre os trainees da empresa onde estagiara, uma multinacional do ramo de empreendimentos imobiliários; que fora agraciado com uma importante promoção ao concluir o curso de Administração, o que lhe permitira galgar um nível de vida mais confortável, realizar os planos de casar-se, constituir uma família, dar a sua mulher e filhos o conforto e a segurança com que sempre sonhara; que hoje, após uma série de cursos de especialização e um MBA em Gestão Empresarial, ocupava uma vice-presidência na mesma multinacional onde iniciara sua carreira, gozando de excelente situação financeira e de um invejável status social; que se divorciara da mulher após dez anos de um casamento aparentemente feliz; que hoje eram quase bons amigos; que os filhos (dois, também) viviam temporariamente com ele, enquanto a ex-mulher concluía um mestrado em Sociologia em uma universidade francesa; que conhecera algumas mulheres interessantes ao longo da sua vida de divorciado, com alguns affairs mais duradouros, mas que nunca se envolvera em um compromisso mais sério; enfim, que era um homem realizado, que prezava, acima de tudo, sua liberdade.

Rápida olhadela no relógio, aquela cara de perplexidade de quem pensa “Já?!”, um pigarro quase imperceptível e os dois se despedem amigavelmente. Fora, sem sombra de dúvida, um encontro muito interessante. Trocaram cartões e deixaram o café com um caloroso aperto de mãos, cada um retornando ao seu caminho e à sua vida ao deixarem aquele aconchegante café que era quase um oásis no centro daquele tumultuado deserto que era a cidade.

Naquela noite, à mesa do jantar, o homem conta maravilhado aos seus filhos o inusitado encontro que tivera com ninguém menos que o Lobisomem.

Naquela noite, à mesa do jantar, o lobisomem conta maravilhado aos seus filhos o inusitado encontro que tivera com um homem livre.

As crianças tiveram muita dificuldade para dormir, naquela noite.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

UM VENTO

ESCREVER

O QUE PASSA
NA CABEÇA
MAS ÀS VEZES O QUE PASSA É UM VENTO
ME DESARRUMA OS CABELOS
E VENTO EU NÃO SEI ESCREVER
ÀS VEZES O QUE PASSA É UM VENTO
ME DESARRUMA OS CABELOS
E EU ME ESQUEÇO DE PENSAR

DESABAFO

Ah, meu computador
Jamais presenciei incoerência como a tua
Papel pedante, virtual
Que me critica o estilo e o jeito a cada linha

Bendito sejas, na crítica que me fazes
Quisera eu ser o poeta da perfeição
Tecer palavras, significados
Qual gênio insaciável das belas artes

Mas, peço-te agora, e que me atendas
Fodam-se as rimas, as métricas,
As teias, as tramas, as rendas
Mas, por amor a Virgílio
A Drummond, a Quintana
E a qualquer outro sacana
Que se ponha a versejar
Nessa hora da madrugada
Digressões à parte
Jamais me critiques de novo
O “delete” que me ensinaste.

OPINIÕES

Típica manhã de quinta-feira.

O executivo levanta apressado, depois de uma noite mal dormida, faz sua toalete matinal, veste-se com seu melhor terno, que está ali, passadinho, impecável... repassa na mesa do café, um lauto banquete, diga-se passagem, as apresentações, relatórios e contratos que precisa levar consigo na viagem, para os negócios multimilionários que vem tentando fechar há meses com aquela grande multinacional... despede-se displicentemente da mulher, que lhe deseja boa viagem sem levantar-se, e agora já perscruta com avidez as manchetes do caderno de economia do seu jornal.

Na garagem, o motorista o aguarda com o motor ligado, climatização perfeita, os assentos de couro cheirando a novos, o carro brilha como uma jóia.

- Bom dia, doutor! Como vai? – tentando ser amável, tantos anos faz que serve aquela família que se sente já no direito de considerar-se quase um sub-membro.
- Bom dia, Clóvis! – seco como um autômato, tem problemas demais pra resolver, cifras demais ocupando seu cérebro, para permitir-se um tom sequer de gentileza a voz. O doutor é assim mesmo, pensa o Clóvis, mas paga bem, em dia, carteira assinada, e ainda tenho o privilégio de dirigir esse carrão que nem passar marcha precisa, usando essa indumentária de bacana que já seduziu muitas incautas no bailão das sextas-feiras do gaudério, que não nos escute a patroa. – Aeroporto, terminal 2, embarques domésticos! (Brasília o seu destino). E estamos atrasados – era a ordem e a ameaça, que quase sempre andavam juntas.
- Sim senhor, doutor!

O executivo agora está absorto em seu jornal, praguejando em silêncio contra a queda do dólar, da bolsa, alta do petróleo, etc, etc... que são problemas demais pra resolver, índices demais pra analisar... tudo demais.

O automóvel deixa as ruas internas do condomínio fechado horizontal, Clóvis apenas acena com um quê de indiferença para os cinco guardas da guarita de segurança e, ganhando a avenida, parte como um bólido silencioso e reluzente, ganhando velocidade rumo ao destino pretendido. Não estamos assim tão próximos e o “estamos atrasados” do doutor, embora soasse impassível em sua voz, tinha um peso que Clóvis conhecia bem... significava: “Esqueça as leis de trânsito e voe. Sinal vermelho? Sinal verde? Vai saber... és daltônico, não percebes a diferença.”

Durante todo o percurso, silêncio absoluto... nem o motor se atreve a fazer barulho, que o doutor está concentrado no seu jornal, mas agora já arrisca algumas olhadelas pela janela blindada, em busca de pequenos lampejos do mundo lá fora: o tempo, o trânsito, onde estamos.

Quando o automóvel deixa a autopista e toma a saída que leva ao aeroporto o doutor tem a visão. Perdoem-me o cacófato... não era nenhum aviso grande, mas a visão que, se não o conhecêssemos bem, diríamos que lhe enternecera... mas longe disso, o que lhe suscitara a visão daquele homem franzino, sandálias de dedo, caminhando à beira do asfalto, olhos postos no chão, cigarrinho de palha na boca e nas mãos um caniço, um puçá e um balde em frangalhos, foi um misto de revolta e inveja.

Disse consigo mesmo: (esclarecemos, que o motorista estava deveras ocupado em fazer-lhe chegar ao seu destino a tempo de embarcar)

– Isso é que é vida!!! Imagine só! Plena quinta-feira, oito e meia da manhã, o mundo desabando, ministros caindo, a bolsa despencando, o câmbio flutuando, o petróleo subindo, CPI disso, CPI daquilo, crise pra todo lado e vai lá saber o que o Bin Laden ta tramando, e o sujeito me tem a coragem de sair pra pescar. Lá vai ele, no seu passo lento, como se nada mais lhe importasse no mundo do que o prazer de se sentar à beira de um rio (havia um rio nas cercanias) e ficar cismando sabe lá Deus o quê, à espera de que os peixes venham morder a sua isca traiçoeira e sejam fisgados para o seu destino fatal. E eu aqui, nessa correria, pronto pra enfrentar um exército de executivos engravatados, em busca de fechar um negócio milionário, preocupado em pagar meus impostos, produzir para que esse país possa crescer. Um sujeito assim se preocupa com o quê?! Sim senhor, isso é que é vida...

Manhã típica de quinta-feira.

Zé levanta-se em seu barraco, depois de uma noite mal dormida. O corpo todo dói do colchão duro de capim que conseguiu salvar da última enchente (passa um rio ali pelas cercanias). Maria já está de pé, num canto do cômodo único, preparando uma água rala que ela teima em chamar de café, para que o marido não saia sem pelo menos agasalhar o estômago. Os oito bacuris estão dormindo, amontoados pelas colchas espalhadas pelo chão.

Veste sua bermuda já quase transparente, de tanto uso. Um dia já foi uma calça de brim. Uma camiseta de malha onde ainda consegue se ler, ou adivinhar, “Deputado Federal – J. Gonzaga – 1397” no que já foram um dia letras vermelhas garrafais.

Em silêncio toma um gole do “café” que Maria lhe preparou; espia dentro de uma lata algumas bolachas, pensar em tirar uma, mas resolve contar primeiro e desiste. “Mal dá pros meninos.”

Abre a porta do barraco, o sol vai ainda baixo, mas os raios lhe incomodam a visão. Estende os braços o bastante para alcançar o caniço encostado na parede externa, sob o tanque recolhe seu puçá e aquele resto de balde, que conseguiu apanhar na última enchente, sabe-se lá de onde veio, que importa?

Na soleira, calça seus chinelos de dedo, suspira desanimado e balbucia para a mulher “estou indo”. De dentro ela responde “vai com Deus” e ele bota pé no caminho, desviando das valas de esgoto a céu aberto e dos montes de lixo amontoados por todo lado. Dali até o ponto onde ainda a poluição não matou todos os peixes é uma caminhada longa, quase uma aventura, a que ele se dispõe sem muita coragem, mais com resignação que com fé.

Ganha a beira do asfalto após alguns minutos. Por ali pelo menos a caminhada é menos árdua, menos obstáculos, embora sempre o cuidado de não ser atropelado por um desses loucos que estão sempre cortando caminho pelo acostamento. Mas essa preocupação parecia não lhe assaltar nessa quinta-feira, uma vez que tinha os olhos postos no chão, como a contar os passos, as pedras do caminho ou as do próprio infortúnio. De vez em quando levantava a cabeça como a medir a distância para a trilha que lhe levaria ao rio.

E foi num desses de vez em quandos que teve a visão.

De súbito pareceu-lhe destacar-se entre a manada enfurecida de automóveis um em especial. Negro, brilhante, silencioso, rápido como uma flecha. No assento da frente um sujeito engravatado, quepe cobrindo o cocuruto. No traseiro, outro sujeito engravatado,folheando um jornal com olhar impaciente, cenho franzido, cara de quem queria engolir o mundo.

Disse consigo mesmo, que ali, mesmo que quisesse dizê-lo a alguém, alguém não havia que lhe pudesse dar ouvidos: “Isso é que é vida! Imagine só! O sujeito voando num carrão que dá quase dois do meu barraco, de motorista, ar-condicionado...” – e parou por aí, porque a sua imaginação não conseguia conceber o luxo de assentos de couro, injeção turbo concentrada ponto a ponto, blindagem, câmbio fliptronic, essas coisas.

“No mínimo está indo pro aeroporto, pra estar passando por aqui a essa hora. Daqui a pouco está no avião, uma aeromoça linda (ele ainda fala aeromoça) chega ao seu lado e pergunta: aceita um uísque, senhor?! E ele simplesmente faz que sim com a cabeça, sem levantar os olhos de seu jornal. Chegando lá (lá é sempre um bom destino pra quem destino certo não tem) tem outro carrão esperando, e vai prum escritório cheio de tapetes, umas secretárias lindas e sorridentes: bom dia, doutor! Como foi de viagem?! E vai se sentar na sua cadeira de chefe, dar ordens a torto e a direito, gritar com algum funcionário mais lerdo e sentir que dali comanda o mundo.

E eu aqui, dois anos e meio sem um emprego decente, dando graças a Deus quando pinta um biscate melhorzinho, comendo o pó dessa estrada como desjejum e tendo que andar léguas e léguas até chegar ao único ponto do rio onde a poluição ainda não destruiu toda a vida. Depois contar com a sorte ou com a inocência dos peixes, que nem todo dia é dia de pescador, pra ver se consigo levar alguma coisinha pra dar de comer pros moleques em casa.

Sim senhor! Isso é que é vida!”

Os olhares dos dois se cruzaram por uma fração de segundo.

Depois nunca mais se viram,

CHEIRO DE CHUVA


De repente lhe invade as narinas aquele cheiro característico de terra molhada, trazido pela brisa suave da manhã.

Ainda sentado à mesa do café, onde conversavam e conviviam alegremente os visitantes e os donos da casa, preguiçosa manhã de feriado prolongado, ele, rapaz criado desde sempre em cidade grande, habituado ao zunzum incessante dos carros, à total ausência de estrelas no firmamento, a todas as vantagens e desvantagens da tão decantada civilização, por várias vezes rira-se da expressão “cheiro de chuva”. Soava-lhe demasiado simplória, até mesmo folclórica. Pra ele, chuva significava enchente, engarrafamento, encostas desabando nas favelas, caos.

Mas, naquele momento, em que se encontrava alheio a todos os ires e vires da metrópole, internado desde a quarta-feira na distante e isolada propriedade rural daquele primo que há anos não via (quiçá décadas), a única inundação que lhe ocorria era aquele odor, que brotava como do nada, e lhe conduzia de enxurrada a um insight que jamais poderia imaginar: aquele era o cheiro da chuva!...

Tocado de emoção quase filosófica, ou de filosofia quase emocional, que essas coisas são difíceis de se distinguir, murmurou quase pra si mesmo “cheiro de chuva”, seguindo-se um suspiro quase imperceptível, findando num meio sorriso de quem naquele instante encontrava todas as respostas às mais absurdas perguntas da existência humana.

Os circunstantes silenciaram ante aquela cena inusitada. Ele, o racional, o pragmático, quase reacionário, deixando escapar dos olhos um brilho quase infantil. Perplexidade geral. A mulher é a primeira a ousar abrir a boca: “algum problema, querido?!”

“Cheiro de chuva...” – outro suspiro.
“O que tem?!” – mais perplexidade.
“Agora eu entendo... cheiro de chuva! Vai me dizer que vocês não estão sentindo?” - Ninguém ousou discordar. Podia ser perigoso.

E ele, então, enchendo-se de inflamado entusiasmo, qual promotor que pede a pena máxima ao vil réu notório de hediondo crime, começa a discorrer sobre aquele odor ancestral que lhe entra pelas narinas e lhe descortina um universo novo, totalmente desconhecido.

Começa citando a Teoria Criacionista, segundo a qual Deus, no sexto dia da criação, toma o barro do chão, molda um ser a sua imagem e semelhança, que resolve chamar Adão, sopra-lhe as narinas e lhe dá vida, iniciando-se assim o povoamento deste nosso planeta, até então tão calmo e tranqüilo. O barro, mistura de terra e água, como elemento primordial de nosso primeiro ancestral, segundo a tradição judaico-cristã. O barro que gerou Adão, cuja costela gerou Eva, de cujo conúbio todos descendemos, pelo menos assim está escrito. O barro, mistura santa de terra e água, tocado pelo sopro divino e dando início à história de nossa civilização, culminando em tudo isso que está aí. E agora esse cheiro de terra molhada, de natureza em seu estado puro, elementar, a lhe remeter aos mais remotos momentos da odisséia humana, quase ao “fiat lux” de Deus.

Magistralmente salta do Gênesis mosaico para a Teoria da Evolução, de Charles Darwin, e ainda aí encontra o barro como elemento fundamental da cadeia evolutiva humana, descrevendo com garbo e detalhes os primeiros momentos da formação de nosso planeta (ou os segundos, sejamos mais cordatos). E encontra a Terra inundada de um caldo riquíssimo, tépido, onde todos os elementos minerais se agitam à revelia de qualquer ordem, chocando-se ao sabor dos ventos e das chuvas torrenciais, fervendo no calor escaldante das emanações vulcânicas abundantes, assolados pelas incessantes faíscas das tempestades elétricas, profusas e impiedosas. Até que, num dado momento, ao comando do sábio acaso, que é o nome que a Ciência dá ao que ainda não conseguiu elucidar, funde-se a primeira molécula de DNA, unindo-se a um protoplasma, por conveniência ou proteção, dando início à primeira célula viva de nosso planeta, capaz de duplicar-se, reproduzir-se.

Daí, recordando-se de sua professora de Biologia citando aquela lindíssima frase que jamais esquecera: “a ontologia recapitula a filogenia”, era uma questão de pouquíssimo tempo até que células começassem a se reproduzir freneticamente, num frenesi quase orgástico. E dessa reprodução desenfreada começam a surgir colônias de células, organizando-se de acordo com a especialização que seguem, formando-se, assim, organismos cada vez mais complexos. E segue a saga evolucionista, discorrendo com furor e até uma certa propriedade, sobre o caminho e os milhões de anos percorridos, até que o primeiro protozoário viesse a se tornar o ser inteligente que somos hoje. De novo o barro como elemento primordial, sem o qual nada disso teria ocorrido.

Com sua enfática explanação consegue, em alguns minutos, unir a Igreja e a Ciência em torno de um elemento único. E agora parte a convencer os seus interlocutores, dos quais a maioria não está entendendo patavina, de que aquele cheiro que de repente lhe invadiu as narinas é capaz de conduzir o homem, a um só tempo, e eis a grande mágica do fenômeno, os seus primórdios místico e científico.

Mil vivas ao cheiro de terra molhada! Alvíssaras, loas, eureca ao cheiro de terra molhada. Esse elo que nos une ao absolutamente absoluto e ao absolutamente relativo. Esse odor impalpável, que nos une a Deus e à Ciência, na sua angustiante simplicidade de união de dois elementos da natureza.

E quando a platéia está para irromper em aplausos, mais para fazê-lo parar de falar do que exprimindo adesão, Nhá Tereza, em sua sapiência de preta velha de quase 100 anos, que nunca foi mais longe que a igreja do patrimônio, umbigo colado ao fogão, adiantando o almoço, que nunca vi comer tanto igual a essa gente, solta um resmungo lacônico que é mais uma sentença que um diagnóstico:

“Isso pra mim é verme!”

A TÍTULO DE PRÓLOGO

Confesso que me desconcerta sobremaneira essa tela alvinitente, esse cursor intermitente, como que a cobrar-me, segundo a segundo, pelo que tenho a dizer.

Sou do tempo do bom e velho papel, receptáculo neutro e acrítico de meus garranchos desencontrados; sujeito aos meus arroubos de profundo desespero, quando as idéias não fluem como sonhara o pseudo-escritor que jaz em meu íntimo, vítima de meus acessos de fúria, ao arrancá-lo com violência da máquina de escrever e lançá-lo com grande desdém ao cesto de lixo. Sou do tempo dos estalidos frenéticos da velha máquina de escrever, que pareciam marcar o ritmo de minhas sinapses:

Adagio - sinal de alerta. Melhor não insistir muito. É como um passo à beira do precipício da frustração. Improdução.
Allegro - glória à vista. A glória cotidiana do criar pequenas coisas, do assentar um tijolo que seja ao arcabouço das letras humanas (até porque nunca ouvi falar de nenhum outro bicho que escrevesse).
Vivace - o orgasmo do literato. Explosão de idéias, êxtase da criação literária. Momento raro. Como o pote de ouro no fim do arco-íris. Seguimos buscando.

Mas os tempos são outros. E cá estamos, sem maiores pretensões do que registrar as pequenas coisas do cotidiano, lançando um olhar às vezes ácido, às vezes poético, às vezes crítico, sobre tudo o que acontece à nossa volta e que não julgamos digno de nota.

Estamos vivos e isso, por si só, já é motivo de grande júbilo.

Celebremos, pois, a vida, com suas alegrias e agruras, seus caminhos e descaminhos.

Enquanto é tempo...

DEDICATÓRIA

A ELA
PRONOME PESSOAL RETO
E A TODOS OS CAMINHOS TORTOS
QUE A ELA E DELA ME LEVARAM