segunda-feira, 5 de outubro de 2009

PERDA DE TEMPO


Ela revirava os olhos, contorcia as sobrancelhas, subia e descia a mirrada bunda na cadeira, fazia muxoxo e resmungava a cada 15 segundos:

- Tsc! Quanta perda de tempo!
A mãe fingia que não ouvia. Continuava em seus afazeres domésticos, como se alheia a todos aqueles protestos pretensamente velados.
E ela prosseguia naquela luta inglória, passando as páginas do livro com quase fúria, bufando feito bode embarcado.
Depois do décimo quarto “tsc” e mais alguns resmungos quase (infelizmente) inaudíveis, a mãe meio que se irrita e resolve perguntar, mais curiosa do que a censurar a filha adolescente:
- Deus do céu, menina! Do que é que você tanto reclama?!
- Eu não agüento isso, mãe! É muita perda de tempo! Um verdadeiro desperdício!
- Isso tudo só porque você está estudando pra ser alguém na vida?
- O que me irrita é esse desperdício de tempo. Tanta coisa mais importante pra fazer e eu aqui tendo que descobrir como um corpo se comporta em cima de um maldito plano inclinado!
A mãe não fazia idéia do que aquilo significava. Apenas procurava não esboçar concordância enquanto enxugava e guardava mais um copo. No tempo dela as coisas eram bem diferentes, embora se lembrasse de muito pouca coisa. A filha prossegue em sua adolescente irritação:
- Você tem idéia do que seja um plano inclinado, mãe?
Ela temia a pergunta. Fez que não ouviu, enquanto fingia procurar alguma coisa no armário sob a pia.
- Pois é! Tanta coisa mais interessante acontecendo pelo mundo afora e eu aqui enfurnada na frente desse livro, tendo que entender um troço que eu tenho certeza de que nunca vai me servir de nada.
Engoliu as páginas que faltavam da matéria. Deu um suspiro aliviado e fechou o livro com raiva.
- Até que enfim.
Largou os livros ali mesmo pela mesa e atirou-se correndo no sofá da sala para ler o último número de Caras.

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