sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O CORPO FALA – DIÁLOGO DE UM PÊNIS COM SEU HOMEM



Manhã de quinta-feira, agenda lotada, ele está em frente ao espelho, enrolado na toalha, terminando de fazer a barba, quando escuta uma voz vinda lá de baixo.


Ele olhou para os lados, apertou os olhos, mirou-se no espelho e só viu seu próprio rosto, semi coberto de espuma de barbear. Não havia mais ninguém no banheiro e estava sozinho no apartamento. Com certeza tivera apenas uma alucinação auditiva, produto do sono e da vontade de ficar mais um pouquinho na cama.


- Não finja que não é com você! Você me ouviu! – e agora a voz surgia um pouco mais alta, grave, profunda e séria, denotando algum enfado e um princípio de irritação.


Ele largou o barbeador sobre a pia, limpou o rosto com a toalha e começou a procurar pelo banheiro.


- Q-quem é você?! E onde você está?! – só podia ser uma brincadeira do Ferreira, que estivera por ali clandestinamente com uma garota naquela semana. Mas não achou nenhum aparato eletrônico de onde pudesse estar saindo aquela voz. Apenas a boa e velha bagunça de sempre no banheiro.


- Estou aqui, onde sempre estive. E o seu grande mal sempre foi e continua sendo esse: não me dar ouvidos.


Olhou para baixo, boquiaberto. A voz provinha de algum lugar atrás da toalha que lhe cobria parcialmente o corpo. Vagarosamente abriu-a. Não havia nada de diferente por ali.


- Achou. Gênio! Assim fica melhor pra termos uma conversinha.


- Eu não acredito!... você é…


- Sim, eu sou seu pênis, sabichão. E me desculpe se eu não apareço pra você com olhinhos e uma boquinha sorridente. Acho que você já passou da idade de quem precisa dessas coisas. Além do mais, o assunto é sério.


Num átimo, milhões de coisas passaram pela sua cabeça, sendo que as palavras GREVE e, pior, APOSENTADORIA pareciam piscar como aterradores letreiros de neon. Arregalou os olhos e mal conseguiu pronunciar um "Hum?", ao que o outro prosseguiu:


- Você precisa aprender a me escutar, Alberto. Prestar mais atenção às mensagens que eu lhe transmito, nos momentos cruciais da sua vida.


- Mas eu nunca imaginei que você falasse!... Como poderia lhe escutar?


- Estou falando de comunicação não verbal, meu caro. Expressão corporal, reações, essas coisas. Eu tenho certeza de que poderia ter lhe poupado de uma série de dissabores, caso você houvesse decifrado minhas últimas mensagens. Mas não. Eu cheguei mesmo a tomar algumas atitudes drásticas, recusando-me a colaborar com aquilo que eu sabia que seria a maior furada (sem trocadilho). E você pateticamente acabou recorrendo ao maldito lugar comum do "isso nunca me aconteceu antes". Era eu que estava te avisando pra saltar fora enquanto ainda dava tempo. Não havia nada de errado com você. Muito menos comigo. Mas infelizmente você se recusou a me ouvir, a aceitar o "conselho" que eu estava lhe transmitindo. E deu no que deu.


- Você está falando da…


- Nada de nomes, por favor. Você sabe muito bem de quem eu estou falando. Só lamento ter demorado tanto a concordar comigo. Mas agora é tarde.


- Agora eu entendo. – e suspirou aliviado. – Então era isso. Mas como é que você podia ter tanta certeza, assim?


- Eu prefiro não entrar em detalhes, para não confundi-lo. Mas digamos que eu tenha uma visão mais aprofundada do assunto. Meu olhar crítico e desapaixonado me permite captar certas nuances que lhe costumam passar despercebidas. Isso sem contar a quantidade de baboseiras que eu ouvi durante todo aquele tempo. Seu grande problema foi usar a cabeça de cima para insistir naquilo. Mas tudo bem; nós nunca conseguimos trabalhar em grande sintonia, mesmo.


- Caramba! Eu não sei nem o que dizer. Foi mal te meter nessa enrascada…


- Não se desculpe. Apenas aprenda com a experiência.


- OK. Prometo que vou prestar mais atenção em você. E como eu devo lhe chamar?


- Não deve. Entenda que, se achar que precisa me chamar, é um sinal evidente de que eu não devo entrar em ação. Quando a parada for boa, estarei pronto antes mesmo que possa me chamar. E nem pense em me atribuir qualquer tipo de apelido carinhoso, senão eu te deixo na mão.


- Entendido. Quer dizer então que…


- Que o meu silêncio é a mais eloqüente das respostas. E tenho dito. Agora vá terminar de se arrumar, pra não se atrasar pro trabalho, que hoje você tem uma reunião importante.


- Foi bom você tocar nesse assunto. Tem uma assistente da diretoria que anda me dando o maior mole. É gata, mas parece ser meio complicada. O que você acha?!


- Faça a sua parte, que eu faço a minha. Afinal de contas, não custa tentar, né?!

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