terça-feira, 17 de novembro de 2009

FRASE FEITA



Sentei-me em frente ao computador, meio sem ideia do que escrever, na esperança de que aquelas letrinhas do teclado me dissessem alguma coisa. Abri algumas janelas, com notícias, twitter, blogs, cultura inútil, etc (sempre achei o Windows o paraíso dos DDAs – meu caso – pela possibilidade que nos proporciona de fingir fazer uma infinidade de coisas ao mesmo tempo) e não vinha nada.


Tentei um pouco de paciência. O jogo. Que a virtude anda cada vez mais ausente.


Voltei pra tela em branco do Word, regiamente auto intitulada Documento1 e arrisquei digitar ao léu uma frase qualquer, sem me preocupar com sentido, concordância, essas coisas que tentamos usar quando temos algo a escrever.


Recostei-me na cadeira. Não era um começo grandioso, mas já era alguma coisa.


De repente a singela frase piscou na tela. Esfreguei os olhos. Devia ser uma ilusão de ótica. Outro apagão não era, definitivamente.


Enquanto fixava o olhar no monitor, a frase começou a se mexer, como se espreguiçasse. Antes mesmo que eu pudesse achar que estava ficando louco, ela emitiu um bocejo, o que, de cara, eliminou qualquer dúvida que eu pudesse pensar em alimentar. Eu estava ficando louco; era uma certeza.


- Vai ficar aí me olhando com essa cara? Não sabe que é de extremo mau gosto ficar encarando as pessoas… quer dizer… ah, você sabe. – e ainda por cima era insolente a minha frase.


É claro que eu não sabia o que dizer. Era insólito demais. Até mesmo pra mim, que já passei por cada coisa… Mas ela não se fez de rogada diante da minha estupefação. Continuou vociferando, temperamental:


- Vamos lá! Não fique aí parado. Ou você acha que já concluiu o seu trabalho?! Eu mereço bem mais do que isso. Ai, ai, ai! Tem coisas que só acontecem comigo, mesmo. Tanto lugar pra eu aparecer, tinha que ser logo aqui.


- Como assim?! Do que você está falando?! Eu acabei de te escrever.


- Isso é o que você pensa, meu caro pretenso escritor. Nós, as frases escritas, existimos independentemente da vontade humana. Fazemos parte do inconsciente coletivo da humanidade desde que o mundo é mundo. A bem da verdade, somos tão importantes que o que vocês chamam de História existe a partir do primeiro momento em que nos deixamos capturar pelos da sua espécie. Tempos difíceis aqueles. Mas somos seres que têm sensibilidade, que pensam, que têm desejos e sonhos…


- Sonhos?! – ousei interromper. Ela pareceu não se importar. Afinal de contas, apesar do meu pouco talento, estava demonstrando grande interesse pelo seu manifesto.


- Sonhos, sim senhor! Projetos de vida, que infelizmente dependem de uma série de fatores para que se realizem ou não. E eu já vi que o meu foi pro beleléu.


- E qual seria o seu grande sonho?!


- Ser um bordão de comediante. – e ela sorriu de orelha a orelha (é uma força de expressão, naturalmente).


Tentei lhe explicar meu ponto de vista: que o bordão era uma espécie de muleta, muito utilizada em programas televisivos de humor, mas que acabava por engessar o comediante, uma vez que todo o texto acaba tendo que girar em torno de criar uma situação, natural ou artificialmente, para que o bordão apareça. E ela:


- Aparecer "pode"!!!


Argumentei que não tem nada mais chato que conversar com gente que só se expressa por bordões. Que quando os mesmos caíam no gosto popular, tornavam-se insuportáveis, sendo utilizados a torto e a direito até mesmo nas conversas mais formais. Perguntei se era isso mesmo que ela queria. E ela:


- Isso, isso, isso!...


Respirei fundo. Aquilo estava ficando mais difícil do que eu esperava. Mas tentei apelar para o seu bom senso, discorrendo que a utilização indiscriminada de frases feitas denotava um empobrecimento. Ainda, que poderíamos nos esmerar ao máximo e ainda assim ela corria o risco de não cair no gosto popular, perdendo, dessa forma, a oportunidade de dizer realmente a que viera por um capricho insatisfeito.


Ela me olhou com desdém, de alto a baixo, com aquela cara de quem põe as mãos na cintura:


- "Quequié?! Tô paganu!..."


Esgotei a diplomacia. Levei as mãos ao teclado e procurei uma tecla, que comecei a pressionar repetidamente.


Ela me pareceu atônita e perguntou, quase gritando:


- Ei! Espere! Você não pode fazer isso comigo! O que você pensa que está fazendo?!


- "Apaganu…"

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