sexta-feira, 5 de junho de 2009

ESTATÍSTICAS

Geruza e Aguinaldo são daqueles casais que parecem desafiar as estatísticas. Dez anos de casamento, mais uns dois de noivado e uns quatro de namoro (eles meio que divergem quanto a isso, mas muito civilizadamente), o que já dá uma vida inteira. E o que é ainda mais notável : FELIZES.

Dois filhos na escola, uma pré adolescente e um quase, não têm os melhores empregos do mundo, dividem as prestações do apartamento de dois quartos num bairro classe média média, mais o financiamento do carro, esticam o orçamento e passam férias em Piúma aonde, apesar de terem conseguido, a duras penas, construir uma casinha modesta a 5 quadras do mar, só vão mesmo no verão, embora todo ano soem aquelas promessas de aparecer mais durante o ano, afinal de contas, “é tão pertinho!”

Enfim, um caso raro de longevidade conjugal.

Numa bela tarde de sábado estão os dois a “vitrinar” pelo Shopping Sul (sim, o Aguinaldo ainda acompanha a Geruza ao shopping), enquanto os filhos assistem a um lançamento no cinema, quando são abordados por uma dessas mocinhas com cara de 12 anos e maquiagem de 30, metida numa calça jeans de cós baixo apertadíssima e uma camiseta baby look amarela, com uma prancheta na mão. Aguinaldo tenta disfarçar, fingir que não está vendo, cortar caminho, assobiar, qualquer coisa. Mas o shopping está perigosamente vazio naquela tarde, e a menina do instituto de pesquisas não tem mais ninguém para entrevistar e coitada, pensa Geruza, “a menina precisa trabalhar. Não custa nada ajudar.”

- Boa tarde! Eu sou do Instituto de Pesquisas IBOTE. Nós estamos fazendo uma pesquisa sobre relacionamento para a Folha de Cachoeiro e gostaríamos de estar fazendo algumas perguntas, se a senhora não se importar. É muito rápido, leva menos de dois minutos pra responder. – tudo isso ela falou sem parar pra respirar, o que deixou o Aguinaldo à beira de uma apneia (alguém tem que explicar ao meu computador que o Acordo Ortográfico já está em vigência e que apneia não tem mais acento).

- Boa tarde, pois não!... – foi a amável e sorridente resposta de Geruza.

Nome, idade, profissão, estado civil, primeiras, segundas, terceiras núpcias ou outras, tempo de casada, etc, etc, etc e a menina vai enchendo freneticamente os quadradinhos de seu calhamaço de formulários. E o Aguinaldo sorrindo resignadamente por dentro. É claro que ele não acreditara naquela história de dois minutos.

- O tema da nossa pesquisa é “A Vida Sexual dos Casais Casados”. – aquela menina recém saída das fraldas dizendo isso com tanta naturalidade, como quem comentava o novo sucesso da mais nova dupla sertaneja deixou Aguinaldo um pouco desconcertado. E quando enfim caiu a ficha de que o casal casado em questão eram ele e Geruza, o desconcerto passou rapidamente a desconforto, desespero, etc, etc, etc…

À medida que as perguntas iam sendo lançadas e Geruza respondendo com a maior naturalidade do mundo, como se transmitisse a uma velha amiga de infância a receita do bolo de milho verde da vovó Geralda, Aguinaldo ia arregalando os olhos, transpirando por todos os poros, mudando de cor, passando por todos os matizes do arco-íris e alguns mais que ele nem conhecia (pra essa coisa de cor homem é realmente horrível – está cientificamente comprovado), ao ponto de o segurança do shopping chegar perto e perguntar se ele estava se sentindo bem, se não gostaria de se sentar um pouco, ao que ele respondia apenas balançando a cabeça freneticamente.

Após quase vinte minutos, uma quase síncope e uma poça de suor no chão, finalmente as duas se despedem amavelmente. Geruza ainda ganhou de brinde uma caneta do Instituto IBOTE, o que certamente daria briga entre as crianças.

Aguinaldo está lívido como cal e arfante como um pássaro ferido.

- Está sentindo alguma coisa, meu bem? – sim, eles se tratam por meu bem, nos momentos sérios. Na intimidade são Gê e Gui.

- Estou chocado! Não, acho que apavorado seria a palavra mais indicada. Como é possível conviver tanto tempo com uma pessoa, achando que a conhece como a palma da própria mão e, de repente, descobrir que não era nada daquilo!...

- Do que você está falando, meu bem? Agora quem está ficando preocupada sou eu.

- Dessa pesquisa louca. De como você é capaz de revelar nossa intimidade sexual a uma menina recém saída dos cueiros e que você nunca viu na vida…

- Uma gracinha a mocinha, né?! – e sorriu inocentemente – Meu amor, – agora com aquele tom de voz maternal típico - você está supervalorizando…

- Geruza! – ele quase nunca a chamava assim e raramente a interrompia, a coisa parecia séria. – Você nunca me disse nada sobre achar excessiva a freqüência com que eu te procuro na cama, ou sobre se preocupar muito mais com qualidade do que com a quantidade de nossas relações! – quando um dos parceiros refere-se àquilo com tamanha formalidade é sinal inequívoco de que realmente está levando o assunto muito a sério.

- Hum!

- E eu nunca imaginei na minha vida que você fosse capaz de simular um orgasmo!

- Hum! – e o rosto dela vai se iluminando aos poucos, como quem escuta uma criança contando uma história absurda.

- E as dores de cabeça, o fato de fantasiar que está transando com outros homens – e foi, gesticulando muito, listando todas as respostas chocantes que jamais imaginara ouvir da boca da própria mulher, enquanto ela balançava a cabeça lentamente e sorria.

- Meu amor, você está reagindo de forma exagerada a uma coisa tão sem importância. Quantas vezes eu já te disse que você é o marido mais maravilhoso do mundo e o homem com quem eu desejo dividir a minha cama para o resto da vida?

- Mas…

- Bobinho, todo preocupado! – e o sorriso crescendo no rosto.

- Mas aquelas respostas todas… como é que você pôde?!

- Você acreditou naquilo, meu amor?! Era tudo mentira! Você não achou mesmo que eu fosse capaz de abrir assim a nossa vida sexual a uma menina que eu nunca vi na vida, achou?! Que eu sairia por aí dizendo que além de tudo somos um sucesso na cama?! Francamente… - e uma gargalhada contida, afinal de contas estão no meio do saguão do shopping.

- Mas… Por quê?!

- Meu bem o que a moça ia pensar de mim?!

Silêncio…

Naquela noite quem teve dor de cabeça foi ele.

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